Pandora 20/07/2019Você sabe quem é Chrysanthème? Pois é, eu também não sabia. Uma das coisas que mais admiro na Carambaia é ela trazer autores desconhecidos, reeditar livros perdidos no tempo, desencavar textos que só haviam sido publicados em periódicos, enfim... nos brindar com verdadeiras preciosidades.
Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos, a Chrisanthème, nasceu em 1870 no Rio de Janeiro e era filha da também escritora Carmen Dolores, pseudônimo de Emília Moncorvo Bandeira de Melo. Ambas feministas; ambas com vasta produção literária e conhecidas em sua época; ambas esquecidas.
O estilo de vida livre de Chrysanthème, bem como os temas de seus livros foram muito criticados, inclusive pelo escritor Humberto de Campos: “Conhecedora da vida e da sociedade em que respira e se move, a sra. Crysanthème poderá fornecer às letras brasileiras excelentes romances de observação. Basta que se proponha a escrever mais sossegadamente e pondo em cena personagens pouco mais asseados de língua. “O que os outros não veem” foi escrito, evidentemente, mais para efeito moral que literário. Teria conseguido seu objetivo ascendendo nas mulheres o ódio ao homem? Eu não creio”. *
Só este tipo de crítica já me faria ficar interessadíssima na obra da autora.
"Enervadas" é narrado em primeira pessoa por Lúcia, uma rica, mimada e linda carioca de olhos de gata que é diagnosticada por seu belo e moderno médico como “enervada”. A enervação de Lúcia é, na verdade, um desejo de liberdade, um inconformismo diante do papel secundário relegado às mulheres, uma ânsia de viver plenamente sem se importar com a opinião alheia. Suas melhores amigas, que ela também chama de enervadas, são bem diferentes entre si: Maria Helena só se interessa por mulheres; Laura sai com um homem atrás do outro; Magdalena é apática e viciada em drogas; e Margarida é a satisfeita mãe de uma penca de filhos.
Lúcia é moderna, sim, mas seus desejos de liberdade são os de uma mulher afortunada e ciente do seu fascínio: passam por amores e vida sem regras, mas não incluem trabalho ou estudo. Na verdade, embora tentasse fugir de todas as pressões, Lúcia se via em conflito às vezes:
“Como são leves e passageiras essas resoluções das mulheres quando ninguém existe que as impulsione e as domine!”
“(...) eu possuo duas almas: uma que, tranquila espectadora, analisa a outra, que se agita, se exalta, jura e rejura coisas que espantam a primeira.”
“Quero amá-lo, é necessário que eu ame, que me sujeite ao seu domínio, que me curve ao seu poder de homem.”
“Os homens não perdoam às mulheres que não os consideram como indispensáveis à sua existência (...)”
“Nasceu em mim uma necessidade de ser protegida que me torna de novo obediente e submissa a suas ordens.”
“Se todas nós tivermos de ler pela mesma cartilha e proceder como ela ordena, o mundo será monótono!…”
Enfim, a “enervada” Lúcia tenta viver de acordo com suas aspirações, mas vez ou outra escorrega. É uma narrativa agradável e dinâmica, mas por tudo o que apresenta, o final é decepcionante. De qualquer forma, vale muitíssimo o resgate da obra e, principalmente, de Chrysanthème.
*Citação comentada no posfácio de Beatriz Resende.