Victor Dantas 04/09/2020
Egito: O Patriarcado x A Mulher.
Quantas vezes paramos para ler/pesquisar sobre a realidade das sociedades que vivem nas sombras do ocidente?
“A Mulher com Olhos de Fogo” escrito pela ativista feminista Nawal El Saadawi, é uma não-ficção que conta a história da Firdaus, uma mulher egípcia que foi perseguida, acusada e destinada pena de morte por cometer “crimes” contra o Estado.
A história que nos é contada surgiu da oportunidade que Nawal teve em visitar a prisão, qual se encontrava Firdaus.
Um dia antes da pena de morte de Firdaus, Nawal foi convidada a cela pela própria prisioneira, sendo avisada que não teria direito de perguntar nada, apenas ouvir história de Firdaus, pois ela não tinha muito tempo, afinal, estaria morta no dia seguinte.
E foi a partir dessa situação, dos relatos ouvidos, que autora transformou a história de Firdaus num livro, onde o mundo pudesse conhecer a história da “Mulher com Olhos de Fogo”.
Considerações pessoais:
Firdaus começa contando sobre sua infância, filha de pais agricultores e religiosos, a infância de Firdaus foi marcada por situações de abuso, silenciamento, violência doméstica, praticada pelos próprios pais e familiares. A partir das palavras dela somos levados para um cenário extremamente conservador e de muita opressão.
Logo nas primeiras páginas temos um acontecimento que muda toda a vida de Firdaus, como toda menina que nasce na sociedade qual ela faz parte: a negação do prazer feminino.
“Fechei os olhos e tentei encontrar o prazer que eu havia experimentado antes, mas em vão. Foi como se eu não conseguisse mais identificar o ponto exato onde o prazer costumava emergir (...)” (p. 36).
Firdaus sempre foi uma garota ligada aos livros desde pequena, e isso provocou nela um desejo pela sua emancipação a partir dos estudos.
Com o conhecimento adquirido através dos livros que lia na escola, Firdaus começou a questionar o porquê a ascensão social, os cargos mais renomados, não são alcançados pelas mulheres na sua sociedade, e porquê os homens sempre são sempre os heróis na história da humanidade.
Aqui vemos o quanto é importante a educação numa sociedade.
O caminho para o pensamento crítico.
Um direito básico da humanidade, mas que é negado a muitos.
“Eu me dei conta de que todos esses governantes eram homens. O que eles tinham em comum era uma personalidade gananciosa e distorcida, um apetite insaciável por dinheiro, sexo e poder sem limites” (p. 52).
Na adolescência, a Firdaus vai desenvolver sua sexualidade forçada dentro da própria família, quando é destinada a um casamento arranjado com um homem 50 anos mais velho que ela. A violência doméstica então passa a fazer parte de sua realidade. Nos deparamos com a objetificação do corpo feminino da forma mais sombria e violenta possível.
“Em certa ocasião ele me deu uma grande surra com seu sapato. Meu rosto e meu corpo ficaram inchados e cheios de contusões” (p. 75).
É na vida adulta que a personalidade de Firdaus vai ser formada. Sem família, sem acesso à trabalho, universidade, totalmente em situação marginalizada nas ruas de Cairo, a única solução que encontra para preservar sua independência, é a prostituição.
Através prostituição, Firdaus assume e garante sua liberdade de expressão, o domínio sobre o seu corpo, sua autoconfiança, sua independência física e subjetiva.
Não representa apenas sua forma de reprodução de vida (dinheiro, comida, casa).
Mas, uma denúncia social. Uma denúncia contra ao sistema opressor, violento, sexista que através de seus distintos dispositivos (religião, política, mídia, casamento) amordaçam uma parcela da população: as mulheres.
“Eu sabia que a minha profissão tinha sido inventada por homens, e que os homens controlavam os nossos dois mundos, este da terra e o outro no céu. Sabia que os homens forçavam as mulheres venderem seus corpos por um preço, e que o corpo de valor mais baixo era o da esposa. (...) Eu era inteligente, e por isso preferi ser uma prostituta livre em vez de ser uma esposa escravizada” (p. 138).
Uma obra que escancara a realidade em sua essência crua. Um cárcere social, qual está longe de ser desfeito, mas, que a partir de vozes e presenças como a da Firdaus, vai se enfraquecendo aos poucos.
“Eu não desejo nada. Eu não espero nada.
Eu não temo nada. Portanto, estou livre.
Porque durante a vida o que nos escraviza são nossos desejos, nossas esperanças, nossos medos. A liberdade da qual eu desfruto enche-os de ódio” (p.151).
Uma leitura importante. Um relato necessário.