Poesia na Alma 04/07/2019
Ler os clássicos não é um dever, é um direito.
“Ler os clássicos não é um dever, é um direito.
É uma parcela do Patrimônio da Humanidade. ”
(Ana Maria Machado).
Nascido em 21 de junho de 1839, este ano, Machado de Assis comemoramos seus 180 anos e desde a publicação de seus primeiros contos, em 1870, já se passaram mais de cento e cinquenta anos e sua obra continua atual e necessária. Publicado recentemente pelo Grupo Editorial Autêntica, 25 contos de Machado de Assis, segundo Nádia Battella Gotlib, responsável pela seleção e organização dos contos:
(...) se os detalhes são construídos tendo por modelo a cidade e os habitantes do Rio de Janeiro do século XIX, ou os pequenos povoados da província, os comportamentos, posturas, conflitos, emoções, paixões, egoísmos e outros vícios são os nossos de cada dia: os da nossa sociedade, que ainda carrega a carga do patriarcado, do machismo, do escravismo disfarçado e da desigualdade entre gêneros
Alguns dos contos selecionados já são conhecidos por parte dos leitores, como A cartomante e a Missa do galo, outros, menos, como Curta história e O caso da vara, e isso confere ao leitor um olhar mais ampliado para além do autor romancista, bem como a maneira como o autor traz para seus contos uma participação proeminente de grupos marginalizados que não têm sua importância destacada em seus romances.
A exemplo disso, em O caso da Vara, conto publicado originalmente em 1891, Damião foge do Seminário que João Carneiro, seu padrinho, o levou, e pede a ajuda de Sinhá Rita, uma viúva. O rapaz simpatiza com Lucrécia, escrava da casa de Sinhá Rita, que não consegue finalizar uma de suas tarefas e acaba sendo acusada de vadiagem, como castigo, Lucrécia apanhará com uma vara. Damião, que prometera apadrinhar Lucrécia, é incumbido de entregar a vara a viúva.
Sinhá Rita pegou de uma vara que estava ao pé da marquesa e ameaçou-a: Lucrécia, olha a vara!
Os mecanismos de opressão presentes no conto, determinam a vida de João Carneiro e Lucrécia, ambos aprisionados pelo desejo senhorial e paternalista. Apesar de livre, Damião é dependente do pai e de Sinhá Rita e Lucrécia é escrava. E pelo símbolo da vara, os laços de dependência são selados e fortificados entre gerações. Outro ponto destacado por Machado neste conto é o trabalho infantil, afinal, Lucrécia é uma criança (11 anos).
O reflexo da escravidão e dos mecanismos de opressão ainda são presentes no Brasil, apesar da ligação na história entre João Carneiro e Lucrécia, o futuro de João, por ser branco e rico, é tornar-se o opressor, assim como a madrinha e o pai, fortalecendo o sistema patriarcal, racista e escravocrata. Enquanto Lucrécia, “uma negrinha magricela, um frangalho de nada, com uma cicatriz na testa e uma queimadura na mão esquerda”, que tem no corpo marcas de violência, não tem quem a defenda, quem a apadrinhe. A casa de sinhá Rita, cuidado do jovem branco da dureza do pai e agredindo uma criança negra é o retrato do Brasil.
Não é possível tratar aqui de todos os contos ou trazer mais detalhes dada a riqueza cultural e social detalhada por Machado, entretanto, é notório que 25 contos de Machado de Assis, é um soco no estômago de nosso atual processo político.
http://www.poesianaalma.com.br/2019/07/25-contos-de-machado-de-assis.html