Ariadna Oliveira 23/08/2021
Um livro de "Rock 'N' Roll" para quem não vive o Rock
Já inicio a resenha dizendo que a minha opinião sobre esse livro é um pouco impopular. Pode ter sido a hype que me fez decepcionar? Sim. Porque geralmente é isso que acontece quando leio um livro que todo mundo idolatra. Mas com certeza esse não foi o único motivo. Inclusive tinha dado 4 estrelas e reduzi para três e meia porque achei tinha sido boazinha demais.
O livro é escrito no formato de biografia de banda, feita através de recortes de entrevistas realizadas por uma entrevistadora que ninguém sabe quem é. Ela coleta a perspectiva dos integrantes da banda, produtores, amigos, familiares e críticos de rock que estiveram por dentro do cenário do rock nos anos 60 e 70 e que eram próximos da banda Daisy Jones & The Six e que sabem o motivo dela ter chegado ao fim após a realização do show de encerramento da turnê de mais sucesso da banda, denominada Aurora, nome do último álbum lançado e que foi um sucesso esplendoroso.
Daisy é minha personagem preferida do livro, é uma garota rica que sempre teve tudo o que queria, mas ao mesmo tempo muito solitária e que vive se envolvendo com drogas, álcool e com pessoas complicadas na tentativa de suprir o amor e a atenção que ela não recebeu dos pais. Desde adolescente ela já começou a se envolver com astros do rock e a andar com pessoas mais velhas, que davam passe livre para ela entrar em casas noturnas onde era proibida a entrada de menores. O motivo dela ser a personagem que mais gostei, foi porque ela sabe que não pode controlar ninguém, apenas ela mesma, e que não precisa se diminuir para deixar as coisas mais fáceis para as outras pessoas e quebrou vários paradigmas impostos pela sociedade em relação ao que ela dita sobre como as mulheres podem ou não se portar, o que fez com que ela se tornasse fonte de inspiração e exemplo de força para várias meninas na época.
Outro ponto positivo, é a narrativa fluida da autora, que te prende logo no início e não te deixa mais largar o livro, fazendo com que em poucas horas você já tenha lido várias páginas. Além disso, o livro traz muitas reflexões interessantes que refutam o que é considerado convencional.
Agora, partimos para os pontos que me geraram incômodo. Há alguns problemas de narrativa no livro, por exemplo, em alguns momentos a Daisy criticava veementemente o Billy, dizendo que ele queria mandar em tudo e que não deixava ela fazer nada do jeito dela, e logo na página seguinte ela se contradiz falando o quanto o Billy é um cara sensacional e a única pessoa capaz de entendê-la. Oi? Além do fato de que o livro muitas vezes fala mais do que mostra. Os personagens dizem que o Billy é um cara brigão e em nenhum momento você vê ele se comportando assim. O Warren é descrito como alguém que ficava com várias mulheres e você não vê ele ficando com ninguém.
Outro ponto a ser ressaltado, é a falta de profundidade dos personagens, são todos muito rasos e você consegue defini-los apenas com uma só palavra. O único que apresentou alguma profundidade foi o Billy, devido a um conflito interno que ele tinha, mais é só isso.
Agora vamos para o que mais me incomodou, o livro é otimista demais levando em consideração todas as brigas e problemas que os personagens estavam enfrentando. Todos os conflitos se resolvem em um passe de mágica, e a autora não retratou o vício em drogas de forma responsável, ela justificava tudo usando o jargão: " É sexo, drogas e rock and roll, bebê. " E ficava por isso mesmo. Os personagens que tinham questões com drogas resolveram tudo de forma muito fácil e jogada, e quem conhece a história do Rock e o papel das drogas nisso tudo sabe como a recuperação era extremamente difícil, astros do rock passaram por várias reabilitações e era um martírio conseguir se manter sóbrio. As drogas parecem mais interessante e importante que qualquer coisa na sua vida, e pela forma como a autora abordou o assunto, parece que é só pensar nos filhos e na esposa que a vontade passa e basta um período de reabilitação para que tudo volte ao normal. Não é assim que funciona Jenkis Reid. O vício em drogas é algo que interfere na vida de várias pessoas e merecia ser tratado de forma mais realista.
Eu também não consegui sentir o amor pela música nos personagens. Ficou parecendo que as picuinhas deles estavam acima da amizade e da paixão que eles tinham pela música e por todo o legado que tinham construído juntos.
Quem é fã de rock sabe que ele vai muito além do jargão sexo e drogas. Rock é vida, e muitos músicos já relataram que o rock os salvou. O livro, no final passa uma mensagem negativa sobre o rock, como se você precisasse abrir mão do rock para conseguir viver em "paz", ou seja, perpetua uma visão que até hoje lutamos para desconstruir. Rock é lutar pelo que quer, é confiar em si mesmo, é acreditar que seus sonhos são possíveis, é encarar os desafios de frente, é questionar a sociedade.
Tive a impressão de que a maioria das pessoas que idolatraram esse livro são pessoas que não curtem rock, ou que não conhecem, ou que não o tem como o estilo preferido de música, pois assim viram a obra como algo inovador. Cheguei a conversar com outras pessoas que também amam rock e pude perceber que todas elas tiveram uma percepção muito parecida com a minha. Quem tem o rock como estilo de música preferido e que estuda o assunto sabe que ele não foi fielmente retratado nesse livro, nem de longe. Questões da época que realmente poderiam enriquecer a obra e que de fato aconteciam, sequer são mencionadas no livro, como a exploração absurda das gravadoras que deixavam as bandas sem dinheiro suficiente por mais que fizessem sucesso. Pelo contrário, a gravadora da banda é um amorzinho e deixava a banda trabalhar exatamente do jeito que queria. As bandas passavam por muitos perrengues para conquistar o sucesso, faziam shows em espeluncas e para um público irrisório sem ganhar nem um tostão, e no livro tudo foi alcançado muito fácil, a banda não precisou batalhar nem um pouco, tudo caiu na mão deles com a ajuda de outras pessoas influentes do meio, o que não passa credibilidade.
Ainda poderia pontuar várias coisas de que gostei e que não gostei, mas para isso teria que dar spoilers e não gosto de colocá-los nas resenhas.
Gostaria de salientar que o livro não é ruim, claro que não, o livro é divertido, tem um ritmo bom, momentos impactantes e que geraram em mim grande identificação. Mas é um livro superestimado. Ele não é bem o que eu esperava encontrar quando decidi lê-lo. É um bom livro sim, mas poderia ser muito melhor.