Euflauzino 10/07/2019A volta do degredado
“E sempre no meu sempre a mesma ausência”.
Um livro que parte de um preâmbulo de Carlos Drummond de Andrade já merece mais que um olhar, suplica atenção, implora reflexão. E foi o que aconteceu comigo no primeiro contato com O verão tardio (Companhia das Letras, 232 páginas) do mineiro, nascido em Cataguases, Luiz Ruffato.
Talvez porque eu estivesse atravessando um momento de ausências, de perda de significados, de saudosas recordações, este livro tenha me tragado para dentro de seus parágrafos poéticos de períodos enormes (muitas vezes mais de 40 páginas) e me feito refém. A leitura fluiu perfeita, mas não sem sobressaltos, porque a vida é vivida aos solavancos.
“Caminho sem retorno, erros que levam a outros erros, e cinquenta e três anos pelo ralo. É isso a vida?”
O livro trata da volta de Oséias a sua cidade natal depois de seu degredo voluntário. Ele volta depois de vinte anos para resgatar o que não mais existe, talvez escrever seu epitáfio, quem sabe um acerto de contas. E assim como o título sugere, o personagem me parece intenso como o verão, mas inoportuno. O passado não se vivencia novamente e um verão fora de época não é verão, é apenas um arremedo dele.
"Quando mudei para São Paulo, nos primeiros tempos gostava de vaguear na rodoviária, fim de semana, buscando adivinhar a trajetória de cada um daqueles inúmeros rostos que desfilavam atônitos. (...) Agia assim para amenizar a solidão que nos sábados e domingos expulsava-me do modesto quarto de pensão no Pari – ou talvez para me saber real, eu, que com frequência, zanzando anônimo por entre a multidão, acreditava-me invisível."
Oséias, um lobo solitário, abandonado pela esposa e filho, vagueia pela cidade em busca de rostos e lugares de seu passado. São seis dias que se repetem insanamente como se fosse um mesmo dia, preso a um espaço-tempo próprio, fadado a repetir os mesmos movimentos, ele procura algo que possa lhe trazer paz de espírito. E o que ele encontra é bélico.
“Desculpa incomodar, mas você não é o Alcides? Eu acho que lembro de você da época do.” Ele se volta, colérico, os olhos injetados, apoia-se no balcão, espantando os mosquitos, e grita, interrompendo-me: “Que papo é esse, cara?! Não vem com conversinha fiada, não! Você me conhece? Foda-se! Eu não te conheço! E nem quero conhecer, entendeu? Toma seu café quietinho aí e dá o fora!”. Seu hálito azedo embaça meu rosto.
O choque inicial do encontro no primeiro boteco concede o tom o qual estará sujeito Oséias durante sua estadia na cidade que ele agora desconhece. É o princípio de seu acerto de contas com a família e alguns conhecidos que ainda residem por lá. Seus irmãos são a mais pura representação das classes sociais: Rosana, fútil classe média, casada convenientemente com um rico agiota; Isabela, castigada pela pobreza, presa a filhos, netos e um marido beberrão; João Lúcio, rico e próspero empresário que construiu seu império através de seu trabalho.
Oséias parte ao encontro de cada um de seus irmãos, carregando consigo apenas sua mochila e a memória do suicídio de sua irmã Lígia, peso enorme sobre os ombros já arqueados."
site:
Leia mais em: http://www.lerparadivertir.com/2019/07/o-verao-tardio-luiz-ruffato.html