Gustavinho 11/03/2021
Volta ao mundo em 80 dias - uma viagem (quase) impossível
O francês Jules Gabriel Verne, também conhecido como Júlio Verne, nasceu na França em 1828 em um contexto de Europa recém-industrializada, cujas inovações tecnológicas marcaram bastante este autor, haja vista que inovou a literatura sendo um dos precursores da ficção científica. Apesar de ser uma viagem extraordinária, ?Volta ao mundo em 80 dias? não é uma aventura que fuja da então realidade da época, diferindo de outros livros do autor, a exemplo de ?Vinte Mil Léguas Submarinas?. O talento de Júlio Verne, aliado às peculiaridades do texto, torna a obra excepcional, inundando o leitor de tensão, êxtase e emoção página após página.
Phileas Fogg, um cavalheiro excêntrico, mecânico e bizarramente pontual (típico de um inglês) faz uma aposta maluca com seus colegas de clube em que está convicto de que é capaz de dar uma volta ao mundo em 80 dias (caro leitor, lembre-se da época em que foi escrita essa obra, no século XIX não havia aviões ou meios de locomoção tão eficientes quanto os atuais) mesmo considerando todos os eventuais contratempos, o que torna a aposta extremamente insensata; Passepartout (que significa ?faz-tudo? em francês), seu mordomo, acompanha-o nesta curiosa empreitada e se mete, acidentalmente, em diversas enrascadas que atrapalham seriamente os planos de Fogg. No entanto, o cavalheiro inglês mantém-se impassível e focado na sua jornada, a qual, por diversas vezes parece estar arruinada. Por fim, a narrativa encerra-se de forma impressionante, mesmo que previsível caso você tenha o conteúdo de geografia aprendido na escola bem fixo na cabeça (risos).
Nota-se, pelo relato do autor, que o turismo não era uma atividade tão comum no século XIX, visto que a maioria dos deslocamentos estava relacionada ao âmbito profissional, o que torna ainda mais peculiar a jornada de Phileas Fogg. Além disso, ?Volta ao mundo em 80 dias? traz outra peculiaridade, que é a ausência dos trechos científicos tão comuns à escrita de Júlio Verne; confesso que senti falta das longas descrições sobre espécimes de fauna e flora, mares ou rochas, entre outras, mas, em compensação, o escritor francês destrinchou elementos da cultura de diversos povos, comentou a respeito de características físicas dos ambientes e relatou a influência do imperialismo inglês ao redor do mundo, tudo isso de forma muito verossímil (o que é impressionante, porque Verne sequer saiu da Europa).
Um evento bem curioso ao longo do enredo é a navegação comandada por Phileas Fogg, aquele mesmo cavalheiro mecânico e aparentemente comum revelou extrema destreza em navegação; isso me deixou bem intrigado, porque o autor, mais uma vez de forma distinta do seu estilo usual, construiu essa personagem com um forte tom de misteriosidade, que é responsável até mesmo por causar certa dúvida ao leitor perante a inocência de Fogg em um suposto roubo a banco. A permanência da incógnita sobre quem realmente é esse excêntrico rapaz é uma característica secundária, mas muito interessante na obra.
Outra personagem que instigou a minha curiosidade foi Passepartout e o contraste de personalidade que ele exerce com Phileas, já esperado tendo em vista que são, respectivamente, um francês e um inglês. O mordomo é um sujeito intenso, nervoso quando provocado e que gostava de caminhar observante pelas cidades durante as paradas da viagem. No entanto, Passepartout e Fogg tinham, entre suas semelhanças, o apreço e a lealdade um pelo outro (apesar de se conhecerem apenas desde a manhã do dia em que se começou a viagem).
Ademais, a personagem Aouda é a única mulher que tem papel de destaque na história; porém, percebe-se claramente a sua secundariedade associada ao comportamento delicado que era atribuído à feminilidade na época. Todavia, há alguns momentos, mais especificamente dois, em que as atitudes dessa mulher são de suma importância para o desenrolar da história, seja agindo com bravura, seja tomando a iniciativa de determinado diálogo.
Portanto, realmente acho que o autor fugiu um pouco de sua essência, talvez por pressão mercadológica, pois seu estilo científico era considerado, por alguns, tedioso e cansativo; é uma pena, porque é uma das características que mais acho fascinantes em Verne. Entretanto, essa breve crítica não implica dizer que o livro deixa de ser bom; pelo contrário, o talento grandioso do autor conseguiu entregar uma obra excelente, apenas diferente. Dessa forma, recomendo a leitura a todos que desejem conhecer esse brilhante francês; aliás, digo até que é a melhor obra para quem entra em contato pela primeira vez com este autor. Além disso, uma coisa pequena, mas que me marcou muito, é a mensagem de que, se agirmos como Fogg e sermos resilientes e calmos, somos capazes de ultrapassar os obstáculos que aparecem em nossas vidas e de atingir nossos objetivos.