Coisas de Mineira 26/01/2020
Cidade das Garotas é o mais novo romance ficcional de Elizabeth Gilbert, conhecida mundialmente pelo livro Comer, rezar e amar, ambos publicados pelo Grupo Companhia das Letras.
Estamos em 2010. Nossa personagem Vivian Morris tem cerca de 90 anos, e recebe cartas de uma mulher chamada Ângela. Sua última carta é um pedido para elucidar a relação que Vivian poderia ter tido com seu pai. Vivian resolve contar para Ângela, mas sob seu ponto de vista, descrevendo sua vida de 1940 até o presente. E assim suas memórias começam a ser contadas.
Vivian chega à Nova York depois do fiasco de ter sido dispensada da Vassar College, uma faculdade tradicional, uma vez que foi reprovada no primeiro período. Seus pais, ricos e pedantes, sempre disseram que boas moças estudavam nessa escola, e Vivian era uma decepção da família.
“Para ser sincera, eu não entendia o que estava fazendo na faculdade, além de cumprir um destino cujo propósito ninguém se dera ao trabalho de me explicar”
A única habilidade até então aflorada em Vivian era a costura. Ela era muito apegada à avó, com quem aprendeu os segredos de um bom corte de tecido.
“Quando tinha 13 anos, vovó Morris me comprou a máquina de costura que um dia ia me acompanhar a Nova York de trem. Era uma Singer 201 preta e reluzente, sanguinariamente potente”
Após a decepção na faculdade, e entendendo que a filha precisava de um choque de realidade, seus pais a enviam para Manhattan, para que descubra seu caminho. Quem a recebe é sua tia Peg, irmã de seu pai, que a reprova por não ter um emprego ‘normal’, já que ela é dona de um teatro chamado Lily Playhouse. No teatro, Vivian conhece personagens bem diferentes de seu círculo de relacionamento, mas extremamente carismáticos: atrizes, coristas, músicos, escritores e produtores, além da secretária ranzinza Olive Thompson. Peg e Olive se conheceram durante a primeira guerra, pois eram enfermeiras da Cruz Vermelha. Consequentemente ficaram amigas, e perceberam que podiam trabalhar juntas – Peg era boa em montar peças teatrais e Olive era quem administrava tudo.
Vivian encontra uma possibilidade de ajudar a tia através de sua máquina de costura, e se torna responsável pelos figurinos das peças. Mais importante, Cidade das Garotas é um livro sobre amizade: e é entre as amigas, como a corista Celia Rey, que Vivian descobre os prazeres noturnos de Nova York.
Com a deflagração da segunda guerra mundial, Edna Parker Watson e seu marido, ambos atores britânicos, acabam impedidos de voltar à Europa, e são convidados a passar uma temporada no teatro de Peg. Como resultado, pensando em aproveitar o talento da amiga, surge a peça Cidade das Garotas.
Posteriormente, um erro delicado é cometido por Vivian, beirando a um escândalo, e tudo o que resulta daí é o fio que vai conectar passado e futuro dessa estória
“Após certa idade, estamos todos passeando por esse mundo em corpos feitos de segredos, vergonha, tristeza e feridas antigas não curadas. (…) porém, sabe-se lá como, seguimos em frente.”
Preciso ser honesta: quando recebi esse livro, dei uma ligeira entortada no nariz – não é exatamente o livro que levaria para casa sem uma indicação. Felizmente o destino o colocou em minhas mãos… porque essa é uma historia muito maior do que os bastidores do show business das décadas de 30 a 40. Ele é um livro sobre amizade, sororidade.
Cidade das Garotas se apresenta como uma estória do amadurecimento de uma mulher, da descoberta de seus prazeres, do aprendizado e aceitação de seus erros. Portanto, foi um livro que me arrebatou.
“O mundo não é plano. Você cresce achando que as coisas são de certa maneira. Acha que existem regras. Que as coisas têm que ser de um jeito. E você tenta viver em linha reta. Mas o mundo não liga para as suas regras ou as suas crenças. O mundo não é plano, Vivian. Nunca vai ser.”
O texto é escrito sob o ponto de vista de Vivian. E ela tem uma forma tão crua de descrever os acontecimentos, que a gente de fato percebe a mudança em suas atitudes. Por exemplo, quando o escândalo estoura, eu fiquei furiosa, porque ela assume uma responsabilidade que não era só dela, mas depois faz uma reflexão sobre isso, percebendo as várias facetas do evento. E é uma escrita tão deslumbrante que, quando Vivian volta para sua cidade pacata, o texto fica mais arrastado, refletindo o estado de espírito dela.
Cidade das garotas é delicioso de ler, e as mais de 400 páginas passam num instante. Temos assuntos diversos como as diferenças entre classes sociais, as tensões durante a Segunda Guerra Mundial, sobre o teatro e a noite em tempos de tranquilidade, sobre a sensibilidade para vestir outros – sejam atrizes, sejam noivas… e é descrito de uma forma tão eloquente que é possível imaginar todos os cenários – muitos dos quais de fato existiram, retratando com mais fidelidade a Nova York dos anos 40 e 50.
E as passagens sobre como a guerra se abateu sobre os Estados Unidos é muito real, sobrepondo novamente realidade com ficção. Interessante como as opiniões se dividiram sobre a participação estadunidense.
“Sempre mais receoso dos comunistas do que dos fascistas, meu querido pai.”
Os personagens são deliciosamente descritos, e vão acompanhando Vivian ao longo de sua estória. Mesmo que um ou outro só apareçam de relance no início, no final se mostram importantíssimos…
Em suma, Cidade das garotas trata da amizade entre mulheres, que se apoiam e se importam umas com as outras. Sobre como ser uma boa garota não necessariamente te torna uma garota feliz. Sobre amor… que amor lindo!
“(…) quando as mulheres se reúnem sem homens por perto, elas não precisam ser nada específico: podem apenas ser”
Leiam, se apaixonem por essa estória, e voltem para dizer que amaram tanto quanto eu!
Por: Maisa Gonçalves
Site: www.coisasdemineira.com/cidade-das-garotas-elizabeth-gilbert-resenha/