A falta que ama

A falta que ama Carlos Drummond de Andrade




Resenhas - A falta que ama


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regifreitas 19/03/2020

A FALTA QUE AMA (1968), de Carlos Drummond de Andrade; posfácio de Marlene de Castro Correia.

Em todo o meu tempo de leitor de poesia, talvez esta seja a primeira vez que uma obra de Drummond não me agrade totalmente. E olha que devo ao poeta de Itabira meu gosto pelo gênero. Antes de Drummond, textos em verso me causando um certo aborrecimento. Foi ele quem me abriu essa porta, de uma forma totalmente nova de ver o mundo. Depois vieram Murilo Mendes e Jorge de Lima, Mario Quintana, Fernando Pessoa e Paulo Leminski, entre tantos outros.

Esta talvez seja - pelo menos dos trabalhos dele que li até agora - a obra que mais se afasta do seu estilo tradicional. Os textos aqui são bem mais cifrados, herméticos, abusando de metáforas e símbolos. As temáticas caras a Drummond ainda aparecem, como as observações sobre a realidade e o entorno do poeta, a memória, os afetos. Contudo, algo está ausente: é a única obra em que não existem referências à metapoesia, à reflexão sobre a poesia, ao fazer poética. Mas estas e outras questões só se tornaram mais claras após a leitura do ótimo posfácio de Marlene de Castro Correia. Aliás, a interpretação de muitas das poesias só me foi possível com a leitura desse texto de apoio.

Talvez uma releitura futura torne a obra mais palatável. Por enquanto, o saldo que fica não me agradou tanto.
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Aquela que tá olhando pro céu 03/06/2022

Enquanto a falta que ama procura alguém que não há...
... decidi ler o livro.
E que maneira melhor de falar de poesia -
Se não por meus próprios versos tortos?

Primeiro, procurei um livro na biblioteca
Em meio a estantes de livros empoeirados,
Quis ler poemas e palavras bonitas juntas umas das outras
"Drummond! Quero ler Carlito", disse,
Enquanto alcançava na última fileira o livrinho fino

"A falta que ama" chamou a minha atenção
Quis compreender o que Drummond diria a mim
Neste tom melancólico que, por alguma razão, é tão curioso a mim

Fui à praia e li alguns poemas.
Senti algo, mais sentimentos que pensamentos,
Estava longe da compreensão

Finalizei a leitura em noite chuvosa
E, enrolada em cobertores, li as páginas com muita rapidez
Drummond, Drummond - que pensamentos mais intrincados você tem!
Não acho que posso dizer que compreendo o que li, ao menos não tudo
O lirismo é muito maduro e a dosagem de figuras de linguagem é alta, bem alta

Não é simples de entender
Muito menos de se ler
Entretanto, alguns dentre eles,
Me fizeram sentir coisas profundas
E guardo algo de melancólico e contemplativo
Destes tardios escritos.

Pretendo reler Drummond tão logo,
E, quiçá, aos poucos,
Entender melhor isso ou aquilo.
Mas com certeza, eu digo:
Que poeta cabeçudo, sofrido!

(Havia uma ilustração no livro da biblioteca, primeira página: Drummond com uma cabeça gigante. Assinado: ? Não decifrei o autor. Parece ter sido feita a um tempo. A página estava cheia de mofo. Furtivo o desenho, mas interessante. E eu não poderia concordar mais.)
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Kiam 23/04/2020

Um gostinho a mais do poeta maior
Recomendo este livro não como um primeiro contato com Drummond (se este for seu caso, sugiro Sentimento do Mundo ou A Rosa do Povo, os mesmos que me animaram a ler Drummond), mas sim como uma expansão do Drummond que já conhecemos, esse que capta um ?significado extranoticial? nos acontecimentos cotidianos. No mais, foram poucos os poemas que transitaram pelos meus pensamentos nos dias que se seguiram à leitura e que tive vontade de reler.
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Michele Soares 16/06/2022

E o traço ausente / ao homem torna homem, novamente.
Acho que eu nunca li um Drummond tão engraçadinho e isso é muito legal! Lembro do Poema das sete faces; eu devo conhecer bem umas três ? ele deve ter bem um milhão.

Explico o que digo com Drummond engraçadinho: é que nesse livro as coisas não doem. É como se ele escrevesse de um limbo, mas esse limbo não fosse o do gauche. Aqui o mundo não prece caduco... ele só parece consigo mesmo. E é isso que não dói. O tempo, a eternidade, o nada, o tudo, perpassam cada poema e ganham concretude na carne do pensamento, na ossatura do ritmo, na tessitura das palavras. E nada dói, repito. Ou parece não doer (uma análise mais funda vai mostra se isso é real ou brincadeirinha). Nada dói precisamente porque Drummond parece escrever de um lugar e de um tempo que antecipa qualquer coisa, ou melhor, se situa entre uma coisa e outra. É como se a sua posição de escrita fosse aquela entre a palavra e o intervalo em que ela se torna coisa; o intervalo entre a coisa e a sua existência; o intervalo entre o nunca e o sempre que cria um vácuo temporal e espacial, uma penumbra segura de onde o poeta pode observar a existência. Assim, Drummond se alça às alturas sem sair do chão. Tudo é e não é. A coisa e a sua ausência. E mesmo quem não for, não escapará de ser juntado sob a inscrição lapidar que Clarice escreveu certa vez: tudo é um. O que é e o que não é é um.

Além disso, também é precisamente essa condensação contraditória das coisas que permite que se fale em começo e fim e fim sendo começo, começo sendo fim. Não dói. Não é desesperador. Não é paralisante. O nada aqui não é o Nada de ruína e de dissolução que reina lá em Claro Enigma. Mesmo quando Drummond evoca os amigos (Lasar Segall) é sem o páthos com que invoca um Mário de Andrade ? é pura observação. Mesmo sua morte também não lhe dói. E isso é bonito ? é um gesto desses que chamo de engraçadinho. As formas dos poemas são bem livres, acho que nunca li um Drummond tão... livre (e isso vai pra além do poema da coletânea chamado Liberdade). Nada se ata, nada pesa. Nada a chega a ser triste, mas nada chega a ser feliz também... e é precisamente porque nada chega a ser... sendo. A leitura me fará melhor compreender. Recomendo muito!
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Adriana Scarpin 10/06/2016

A torre sem degraus
“No térreo se arrastam possuidores de coisas recoisificadas.
No primeiro andar vivem depositários de pequenas convicções, mirando-as remirando-as com lentes de contato.
No segundo andar vivem negadores de pequenas convicções, pequeninos eles mesmos.
No terceiro andar- tlás tlás- a noite cria morcegos.
No quarto, no sétimo, vivem amorosos sem amor, desamorando.
No quinto, alguém semeou de pregos dentes de fera cacos de espelho a pista encerada para o baile das debutantes de 1848.
No sexto, rumina-se política na certeza-esperança de que a ordem deve mudar, precisa mudar deve mudar há de mudar, contanto que não se mova um alfinete para isso.
No oitavo, ao abandono, 255 cartas registradas não-abertas selam o mistério da expedição dizimada por índios Anfika.
No nono, cochilam filósofos observados por apoftegmas que não chegam a conclusão plausível.
No décimo, o rei instala seu gabinete secreto e esconde a coroa de crisóprasos na terrina.
No décimo primeiro, moram (namoram?) virgens contidas em cintos de castidade.
No décimo segundo, o aquário de peixes fosforescentes ilumina do teto a poltrona de um cego de nascença.
Atenção, décimo terceiro. Do vigésimo quarto baixará às 23 h um pelotão para ocupar-te e flitar a bomba suja, de que te dizes depositário.
No décimo quarto, mora o voluntário degolado de todas as guerras em perspectiva, disposto a matar e a morrer em cinco continentes.
No décimo quinto, o último leitor de Dante, o último de Cervantes, o último de Musil, o último do Diário Oficial dizem adeus à palavra impressa.
No décimo sexto, agricultores protestam contra a fusão de sementes que faz nascerem cereais invertidos e o milho produzir crianças.
No décimo sétimo, preparam-se orações de sapiência, tratados internacionais, bulas de antibiótico.
Não se sabe o que aconteceu ao décimo oitavo, suprimido da Torre.
No décimo nono, profetas do Antigo Testamento conferem profecias no computador analógico.
No vigésimo, Cacex Otan Emfa Joc Juc Fronap FBI Usaid Cafesp Alalc Eximbank trocam de letras, viram Xfp, Jjs, IxxU e que sei mais.
No vigésimo segundo, banqueiros incineram duplicatas vencidas,e das cinzas nascem novas duplicatas.
No vigésimo terceiro, celebra-se rito do boi manso, que de tão manso ganhou biografia e auréola.
No vigésimo quarto, vide décimo terceiro.
No vigésimo quinto, que fazes tu, morcego do terceiro? Que fazes tu, miss adormecida na passarela?
No vigésimo sexto, nossas sombras despregadas dos corpos passeiam devagar, cumprimentando-se.
O vigésimo sétimo é uma clínica de nervosos dirigida por general-médico reformado, e em que aos sábados todos se curam para adormecer de novo na segunda-feira.
Do vigésimo oitavo, saem boatos de revolução e cruzam com outros de contrarrevolução.
Impróprio a qualquer uso que não seja o prazer, o vigésimo nono foi declarado inabitável.
Excesso de lotação no trigésimo: moradores só podem usar um olho, uma perna, meias palavras.
No trigésimo primeiro, A Lei afia seu arsenal de espadas inofensivas, e magistrados cobrem-se com cinzas de ovelhas sacrificadas.
No trigésimo segundo, a Guerra dos 100 anos continua objeto de análise acuradíssima.
No Trigésimo quarto, um ladrão sem ter o que roubar rouba o seu próprio relógio.
No trigésimo quinto, queixam-se da monotonia deste poema e esquecem-se da monotonia da Torre e das queixas.
Um mosquito é, no trigésimo sexto, único sobrevivente do que foi outrora residência movimentada com jantares óperas pavões.
No trigésimo sétimo, a canção
filorela amarlina
louliseno i flanura
meliglírio omoldana
plunigiário olanin.
No trigésimo oitavo, o parlamento sem voz, admitido por todos os regimes, exercita-se na mímica de orações.
No trigésimo nono, a celebração ecumênica dos anjos da luz e os anjos da treva, sob a presidência de um meirinho surdo.
No quadragésimo, só há uma porta uma porta uma porta.
Que se abre para o quadragésimo primeiro, deixando passar esqueletos algemados e conduzidos por fiscais do Imposto da Consciência.
No quadragésimo segundo, goteiras formam um lago onde bóiam ninféias,e ninfetas executam bailados quentes.
No quadragésimo terceiro, no quadragésimo quarto, no... (continua indefinidamente)”
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i2grazy 19/11/2023

Eu gostei do livro e achei super interessante!! sou completamente louca por livros de poesia e super indicaria esse livro para mais pessoas.
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