Gentlemen

Gentlemen Klas Östergren




Resenhas - Gentlemen


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Andreia Santana 26/06/2010

Literatura noir temperada com o frio sueco
O que sabemos com mais certeza sobre a Suécia é que em 1958, ganhamos nossa primeira Copa do Mundo neste país, derrotando os donos da casa por 5x2. Além disso, que é a terra onde nasceu Greta Garbo. Mas a Suécia tem mais a revelar ao leitor brasileiro do que algumas questões de conhecimentos gerais. Foi lá também que nasceu Klas Östergren, o criador de Gentlemen, romance noir lançado no Brasil 30 anos depois de consagrar seu autor como um dos maiores escritores de sua geração. Misto de trama policial com panorama lúcido sobre a história da Europa entre o final da II Guerra Mundial e a emblemática década de 80, nos últimos anos da Cortina de Ferro, Gentlemen é considerado O Grande Gatsby (F. Scott Fistzgerald) escandinavo.

O livro conta a história dos irmãos Henry e Leo Morgan. O primeiro é pugilista, pianista e bon vivant. O segundo, poeta, rebelde e esquizofrênico. Quem revela os detalhes da vida dos Morgan, filhos de um antigo “barão do jazz” de Estocolmo que abriu mão do titulo de nobreza para cair, literalmente, nos braços da noite, é o jovem escritor Klas (homônimo ao autor), convidado a morar com a dupla quando seu apartamento é depenado por assaltantes. A coincidência não é só o nome: ao personagem, Klas Östergren empresta fatos da própria vida como frequentador da boemia sueca entre os anos 60 e 70.

A narrativa de Gentlemen não é linear, mas pontuada pelas idas e vindas das lembranças de Klas (o narrador-personagem), após o misterioso desaparecimento dos Morgan, supostamente por envolvimento com o tráfico de armas. Sozinho no colossal apartamento onde os três viveram por quase um ano, uma espécie de museu herdado do avô nobre dos irmãos, o jovem escritor decide colocar no papel a trajetória inacreditável da dupla de personalidade tão oposta, mas complementar.

Para um leitor que não tenha conhecimento prévio do contexto mundial da época retratada, fica uma sensação de saltos e buracos na narrativa, impressão também que demonstra a juventude e inexperiência do próprio autor, que contava apenas 25 anos quando publicou o livro e em determinados trechos, parece perdido nas curvas da sua complexa história. As lacunas, porém, não chegam a comprometer o resultado final, pois Gentlemen traz elementos de boa literatura policial e o clima noir que ajudam a manter o ar de mistério, como uma trama de espionagem saída direto dos "anos de chumbo".

A geração na faixa dos 40, 50 anos tem em Gentlemen um deleite, pois o livro revive detalhes pitorescos dos efervescentes anos 60 e 70, com a contracultura, o festival de Woodstock e a boemia meio desencantada que circulava pelos principais clubes noturnos europeus. Henry, o Morgan mais velho, encarna um tipo de último cavalheiro “bem nascido, bem lido e bem viajado” que tenta adaptar-se a um tempo em que Leo, o mais novo, parece transitar com mais desenvoltura, em meio a greves de operários, protestos de ambientalistas e uma juventude que ansiava fazer tudo diferente do que seus pais haviam feito. Nos intervalos da internação em hospícios e clínicas de reabilitação, Leo confronta o que considera “ecos da cultura reacionária de um mundo que envelhece e adoece”.

Paradoxalmente à vontade de que novos ventos soprassem sobre a Suécia e o resto do mundo no final dos anos 80, não escapa à percepção que a obra também é nostálgica e presta um tributo justamente ao que Leo definiria como cultura reacionária. Ou seja, a elegância do período pré e pós a II Guerra. Apesar de toda a privação da época, havia um glamour que era traduzido principalmente pela música e o cinema. O charme coquete dos anos dourados resistiria até a iconoclastia da década de 60. Na obra de Östergren, é Henry Morgan quem sintetiza o conflito, sendo ao mesmo tempo músico de jazz, sedutor, gourmet e conhecedor de vinhos raros, que nas horas vagas escava túneis subterrâneos e passagens clandestinas sob o solo de Estocolmo.

A grande sacada de Gentlemen é mostrar através dos seus personagens, todos os contrastes de um período que se estende por pelo menos 40 anos da história. O maior exemplo de interesses conflitantes vem ainda de Henry, pianista e pugilista, duas atividades praticamente excludentes, visto que para tocar piano, manter as mãos saudáveis é essencial; e não há nada menos saudável que o boxe para as mãos.

Mas é do contraponto Leo Morgan que vem as inquietações do jovem autor, tanto o narrador-personagem da história, quanto o autor Klas Östergren, do alto de seus 25 anos. Em determinado trecho do livro, Leo, desiludido com “o sistema”, prevê que o futuro do mundo é enlouquecer e fazer tanto sentido quanto as atividades de último bon vivant de seu irmão. Com muita propriedade, Klas, embora atice o desejo dos nostálgicos, mostra que a loucura, disfarçada em mil formas e nomes (inclusive “arte”), sempre foi tributo pago pela humanidade.

Um trecho da obra - “Podemos tagarelar pelas esplanadas da nossa civilização, pelas alamedas e avenidas, extremamente impressionados com as conquistas arquitetônicas da humanidade. Há muito que a tecnologia ultrapassou as fronteiras da compreensão e tudo aquilo a que se pode chamar impressionante surgiu no intervalo entre a construção da pirâmide de Quéops, por volta de 2900 a.C., e a chegada do homem à lua, em 1969 d.C. Este intervalo temporal consiste em aproximadamente 5 mil anos de elogios rasgados às maravilhas da humanidade. Porém, após a chegada à lua, tudo se transferiu para outro nível, o do incompreensível”.

O autor - Klas Östergren nasceu em Estocolmo, Suécia, em 20 de fevereiro de 1955. Publicou o primeiro romance, Atila, aos 20 anos, mas a notoriedade dentro e fora do país de origem veio cinco anos mais tarde, em 1980, quando publicou Gentlemen, considerado a obra-prima do autor. Ao todo, ele possui 17 romances, incluindo a continuação de Gentlemen, Gangsters, lançado apenas em 2005, 25 anos depois do primeiro livro e ainda inédito no Brasil. Na Europa, é considerado um dos mais importantes tradutores de J. D. Sallinger para as línguas nórdicas, além de também ter traduzido as peças do dinamarquês Hendrik Ibsen para o inglês. Paralelo às atividades como escritor e tradutor, é roteirista para a TV e cinema.

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P.S.: A resenha foi publicada na edição de sábado, 26/06/2010, do Caderno 2+, suplemento cultural de A TARDE, em Salvador-BA. No jornal, claro, assino com o "meu nome oficial" e não com o pseudônimo usado no Skoob.
Léo 01/04/2020minha estante
Resenha perfeita.


Andreia Santana 01/04/2020minha estante
Obrigada ?




Whermeson 26/05/2020

Livro 23 - 2019: Gentlemen - Klas Östergren
“A história da Suécia no século XX gaba-se de uma série de ‘casos’ em que trapaças monárquicas, espionagem militar ou manipulações empresariais foram descobertas e trazidas à luz – pelo menos em proporções convenientes – apenas para mais tarde serem adicionadas a acontecimentos catalogados como ‘escândalos’. Esse tipo de caso e escândalo ocorre a intervalos regulares em todas as sociedades, civilizadas ou corruptas. Existe nisto algo de inevitável e, em certo sentido, desejável. E, quando tudo acaba – ou seja, quando os bodes expiatórios são publicamente expostos ou encarcerados -, os mais zelosos defensores da justiça e da democracia começam a bater no peito e erguer vozes estridentes e fanfarronas para elogiar a si próprios e à sua magnífica capacidade de autopurificação. Não é de todo estranho quando se trata de um escândalo: uma mão lava a outra, de preferência ao som de um hino nacional."

site: https://mardehistorias.wordpress.com/2010/06/26/resenha-gentlemen/
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