mpettrus 31/12/2022
?Lembranças do Passado da Terra?
?Finalmente, a última resenha do ano de 2022 é do último livro que li esse ano, o terceiro volume da Trilogia ?Remembrance of Earth's Past? do escritor chinês Cixin Liu: estou falando do aterrorizante sci-fi ?O Fim da Morte?. A minha mente foi achatada, colapsada e então explodida a um ponto de dimensão zero nesse romance que considero o mais épico da trilogia, abrangendo centenas de anos em várias eras de existências.
E esse gancho dos saltos de anos e eras nos trouxe outra protagonista feminina, uma brilhante engenheira aeroespacial que acorda de uma hibernação artificial meio século no futuro. Cheng Xin é uma protagonista forte, que trabalha como parte de um projeto, o Staircase Project, que tem a missão de enviar um ser humano ao espaço para servir como diplomata quando se encontrar com a frota trissolariana, os alienígenas Trissolaris.
A história do terceiro volume começa após cinquenta anos da batalha do Juízo Final. Os Trissolarianos e a Terra estão presos numa Era de Dissuasão, depois que Luo Ji provou que o Universo é na verdade uma ?Floresta Sombria?, em que qualquer centelha de vida inteligente será extinta por outros seres para proteger seus próprios interesses.
Luo Ji, o protagonista do livro dois, um sociólogo sem grandes ambições na vida, foi capaz de conceber a verdade da natureza do Universo afirmando que não é um lugar onde a vida humana seria feliz coexistindo e crescendo naturalmente com outras espécies de vida, muito pelo contrário, o Universo é uma grande floresta sombria, onde cada civilização age como caçador silencioso. Luo Ji testa sua revelação, a confirma e encontra uma solução para proteger o Planeta Terra da destruição de Trissolaris.
Embora tenha um enredo denso, complexo e, para quem não está familiarizado com literatura sci-fi e fantasia, é uma história especulativamente brilhante e altamente imaginativa, mas acima de tudo, apesar de toda a ideia rebuscada do autor, elas são realmente possíveis de acontecer. O autor conseguiu me convencer de suas ideias pelo simples fato de apoiar seus conceitos nas intricadas teorias científicas já elaboradas pelo homem. O volume três é excessivamente cheio de jargões científicos, tornando o seu texto denso e, muitas vezes confuso quase parecendo um livro de física ou de cosmologia.
O excesso de informações pode deixar o leitor menos atento completamente perdido, sem saber exatamente para onde o autor quer nos levar. No decorrer do livro temos capítulos sucessivamente longos - onde não têm diálogos ou quebras de parágrafos - somente explicando ciência, como se fossem destinados especificamente para cientistas e àqueles que são realmente bem versados nos tópicos. Mas eu entendi a intenção do autor para ajudar o leitor leigo a compreender melhor suas ideias científicas e aproveitar melhor a experiência de ler seu livro.
Embora complexo, eu consigo pontuar três pontos importantes desse romance: o Staircase Project, a batalha espacial entre duas naves o Gravidade e o Blue Space e a estrela que Yun Tianming comprou para Cheng Xin. Esses três pontos significam tudo para a sobrevivência da raça humana em que cada um deles desempenha um papel fundamental e sob o cuidadoso domínio das marionetes pelas mãos do autor, cada enredo se desenvolve de maneira dramática e imprevisível.
Considerei o livro três o mais épico da trilogia porque além de abranger centenas de anos em várias eras existenciais, a trama avança se expandindo do mundo ao sistema solar, culminando finalmente em um grande drama intergaláctico onde o destino de todo o Universo está em perigo. Gostei da premissa de que apenas um único Universo não é suficiente e que possam existir outros mais. E que eles sejam ameaças uns aos outros para sua sobrevivência.
E, a ideias de colocar pequenas histórias dentro da história central?! Sim, existem inúmeras histórias dentro da principal, incluindo uma sequência de contos de fadas fabulosas que mostram o virtuosismo na narrativa do autor nos mostrando um contraste cintilante e muito necessário com o tom pesado e terrivelmente desesperançoso da história. Dentro dessa estrutura intrincadamente estruturada, incrivelmente cósmica e que contorce a realidade, ele tece todos os conflitos pessoais e filosóficos que semeou ao longo do caminho em um final retumbantemente orquestrado.
Eu amei a protagonista, Cheng Xin. Gostei muito da sua relação com seu ex-colega de universidade, Yun Tianming, bem como da sua amizade que floresce com seu companheiro igualmente brilhante, o astrônomo Ai AA. O ex-diretor da CIA, fumante de charutos, Thomas Wade, é um grande contraponto para Cheng, personificando a corrupção e o individualismo do capitalismo ocidental.
Outro personagem favorito é Sophon, um diplomata androide que é controlado pelas partículas Sofóns e serve como um elo de comunicação entre os humanos e os Trissolares. Confesso que fiquei extremamente emotivo ao me despedir Sophon e isso me pegou de surpresa.
? Para finalizar, devo dizer-lhes que a trilogia ?Remembrance Of Earth?s Past? é simplesmente majestosa, sombria e com muitas reflexões sérias sobre o lugar da humanidade no mecanismo metafísico da existência, gritando por uma pequena luz no fim do túnel para esclarecer suas dúvidas e sanar seus medos.
Essa é a história da meditação sobre tecnologia, progresso, moralidade, extinção e conhecimento que funciona como um thriller de cosmos em equilíbrio, embora me pareça um tanto exagerado o destino de todo o Universo está nas mãos de Cheng Xin. Mas o autor conseguiu me convencer, de alguma forma, ou eu quero acreditar que ele me convenceu.
Surpreendentemente criativo, ousadamente ambicioso, impressionante em sua finalidade e grandeza, supera as visões mais grandiosas de qualquer épico espacial já concebido. E, no entanto, é tão pessoal e íntimo quanto o diário de um amante; trágico, profundamente filosófico, poético e cruelmente belo.
Surpreendentemente original em enredo e execução, cheio de reviravoltas alucinantes, demonstra que ainda há arte no mundo. Mesmo com toda a sua destruição, as lembranças do passado da Terra nos guardam o melhor que a humanidade tem: não são nossas fraquezas emocionais, a nossa natureza imperfeita e nem nossos preconceitos inerentes a nossa existência, mas sim a nossa empatia, o amor e a humanidade que temos uns com outros.
? Mesmo com as falhas encontradas no decorrer da trilogia, tenho amado muito essa série e acho que grande parte se deve ao fato de ela incorporar totalmente o espírito da ficção científica. A ficção científica, mais do que qualquer outro gênero, explora os aspectos sociais e tecnológicos da humanidade e pondera sobre suas consequências. É uma literatura de ideias.
Cixin Liu brinca com essas ideias através de metáforas, onde ele se destaca não apenas em usar essas ideias, mas também em desenvolvê-las em um grau nunca antes visto e transformá-las em um grande conto épico. É realmente uma façanha para experimentar. Ele é a prova de quão longe a sua própria imaginação o levou: para muito além das fronteiras de seu país fincando sua literatura chinesa para sempre no cânone da ficção científica.