Ricardo Silas 07/12/2014
No que também acredito
Russell extasia o intelecto de qualquer leitor sério e preocupado com as animosidades do mundo. Acho que essa obra fratura aquele mito espúrio que diz não haver crenças num instituto de ceticismo e racionalidade imanentes aos livres pensadores. Ao contrário, nutrimos crenças sólidas, ainda que abstratas, mas sustentadas por indícios plausíveis de evidências e objetividade dos fatos, acuradamente verificados antes de serem tomados como credo.
Penso ser este um dos fortes elementos filosóficos, sobretudo racionalistas, inspirados pelo autor em quase todos os seus livros. A ideia de que, ancorar nosso senso de proporção e reflexão em superstições, doutrinamentos e dogmas políticos e religiosos, são, na maioria das vezes, a origem de parte da totalidade das perversidades morais que desencadeiam infortúnios às vidas de milhões de pessoas. De modo preocupante, estas mesmas entidades irresponsáveis estão a oferecer torpes confortos, tolhendo a verdadeira liberdade de educar as pessoas para que aufiram virtudes em suas vidas.
Aliás, gosto ainda mais da parte em que Russell expõe amistosamente o que compreende por vida virtuosa. É tão romântico, idílico, lírico e ao mesmo tempo realista... A vida amorosa é aquela inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento, disse Russell. O amor inviabiliza a fruição do ódio, impede o influxo de tempestividades, abranda a natureza humana, permitindo ao máximo número de pessoas satisfazerem seus desejos sem frustrar a liberdade alheia. O amor liberta, não exige recompensas nem requer medidas, e também rejeita o ciúme, que é a inveja do amor, é o sentimento de raiva programado para subverter a plenitude, por definição, dos nossos ideias mais puros.
Assim revela-se a utilidade prática e necessária de educar as pessoas nesse sentido libertário. Sem imposições desengonçadas dos preceitos antiquados das religiões, o cristianismo pontualmente, em conluio com o interesse do Estado de incutir patriotismo estúpido sobre as crianças, em sua mais frágil idade. Aí irrompe o conhecimento, como bússola de uma vida inspirada pelo amor. O primeiro parágrafo desta resenha resgata o significado lógico de aquisição segura do conhecimento.
Contudo, outra função imprescindível de conduzir a vida das pessoas através do conhecimento racional, é demonstrando de que forma podemos conhecer os interesses alheios a fim de ampliar o raio de alcance das satisfações desses desejos. Não desejos todos, mas interesses necessários, minimamente interferidos negativamente. Logo, o amor (amálgama de sentimentos: deleite e benevolência, indissolúveis a uma vida que consiste em ser sublimemente feliz) sem conhecimento é cego, conhecimento sem amor é frio, muitas vezes até cruel.
Essas reflexões devem expandir-se às normas morais pré-estabelecidas em nosso consenso social, mesmo que contrariem injunções sobrepostas pelo monopólio religioso e político. A coragem democratizada, de acordo com Russell, estará prontamente disposta a promover a alegria, o contentamento, equilíbrio, prosperidade e cooperação. As religiões em sua maioria não estão interessadas nisso. Elas vendem promessas descabidas de sentido numa vida post-mortem, longe desta única chance que temos. É o tipo de conforto que esbarra na ideia de que, se você oferece um falso consolo, você é um falso amigo.
É nisso que também acredito.