jota 11/03/2013Sabbath: pau para toda obraSou viciado nas histórias de Philip Roth quase tanto quanto Mickey Sabbath, o personagem central deste livro, é viciado em sexo. O Teatro de Sabbath não é apenas sobre a delícia e o inferno que pode ser a vida de um sexólatra - é muito mais, e essa narrativa a certa altura é adequadamente chamada por Roth de pornodrama.
Mesmo que em muitos trechos pareça pornografia, O Teatro... é, a crítica reconhece, literatura erótica nos moldes de Trópico de Câncer, de Henry Miller, e de outro livro do próprio Roth, o aclamado O Complexo de Portnoy (quem não se lembra do que Alexander Portnoy fazia com os bifes de fígado de sua mãe no banheiro?). Mas que, por sua ousadia, vai mais além desses dois conhecidos exemplares.
Bem, esta não é exatamente uma resenha crítica, uma vez que este livro, consagrado por especialistas em literatura e pelos leitores de Roth há quase duas décadas já (foi publicado em 1995), dispensa novas apresentações ou explicações; então são apenas algumas impressões de leitura e pontos que me chamaram mais a atenção que assinalo aqui.
O sexagenário Sabbath, e seria válido dizer “sexogenário”, já que os jogos de palavras abundam nesta história (as bundas e outras zonas erógenas idem), é ao mesmo tempo um personagem shakespeariano, com suas diversas referências a Falstaff e Lear, e kafkiano, como numa antológica cena de masturbação num cemitério, mas também não lhe faltam pitacos de conhecidos pensadores: Montaigne e Martin Buber.
O sistema vital e filosófico de Sabbath tem como elementos fundamentais a perda, especialmente através da morte, e o sexo. Tanto, que num de seus constantes devaneios, antecipa seu fim e imagina mesmo os dizeres que constarão de sua lápide mortuária: “Amado Cliente de Puteiros, Sedutor, Sodomita, Corruptor de Mulheres, Destruidor de Virtudes, Perversor de Jovens, Uroxicida, Suicida.” Exatamente o que ele foi – uma vida ímpar muito bem sintetizada nessas palavras.
Não sei se tem fundamento, mas a história parece proceder, que o fato de Philip Roth, talvez o maior escritor americano vivo, ainda não ter ganhado o prêmio Nobel de literatura, deve-se à circunstância de que uma das juradas do comitê que escolhe o premiado de cada ano ter declarado que O Teatro de Sabbath é uma obra pornográfica, etc., e que por isso, o escritor ficaria a ver navios eternamente. Por outro lado, autores desconhecidos ou de importância muito menor que ele são agraciados com a láurea, o que desacreditaria muito mais a academia do que o escritor.
Foi a primeira vez que li sobre isso (na internet) e tampouco sei se Philip Roth alguma vez se manifestou acerca do prêmio, de não ser premiado, etc. E já que antes falei em ficar a ver navios, caberia agora uma pergunta: onde ou com quem foi que Mickey Sabbath aprendeu tanta sacanagem, a ponto de parecer uma enciclopédia viva de sexo e depravação? Em casa não foi. Mas sim em diversos prostíbulos mundo afora, incluindo aí prostitutas brasileiras, nos portos fluviais do Amazonas e em Santos, no Rio de Janeiro e na Bahia. Especialmente com prostitutas baianas: a Bahia é citada várias vezes no livro. Salvador, a capital? Cidade onde, segundo Sabbath, para cada igreja havia um puteiro.
Mas nada é dito de forma desprezível pelo personagem, claro. Pelo contrário, ele ama os prostíbulos e as prostitutas - seu cheiro e seus fluidos corporais. Em muitas páginas o velho Sabbath recorda saudoso o tempo em que era um jovem marinheiro e suas aventuras sexuais em cada porto que passou (parou), e ainda hoje busca encontrar em outras mulheres o cheiro (ou perfume, depende) das prostitutas baianas e outras de então. Vai encontrar um pouco disso em Rosa, uma doméstica mexicana que trabalha para um amigo, num dos pontos altos do romance. E eles são muitos...
Ainda na juventude, Sabbath passou um mês na prisão por ter desnudado em público o seio de Hellen, uma estudante universitária, durante uma apresentação de seu Teatro Indecente de Sabbath, ainda que com o consentimento da moça. Depois vieram dois casamentos. Primeiro com Kitty, jovem atriz descendente de gregos, um tanto estranha, que um dia desapareceu de sua vida e que ele imagina que esteja morta; e o segundo com Roseanna, a mulher atual, que aos poucos foi se tornando alcoólatra e se encontra internada numa clínica de recuperação.
Tão marcante quanto essas duas mulheres, na verdade o grande tesão do sátiro, houve uma amante croata-americana, Drenka, exemplarmente escolada em sexo, que faleceu de câncer aos cinquenta e dois anos e cujo túmulo é frequentemente visitado por Sabbath, que ali se masturba ou urina, etc. Em seguida houve Kathy, uma jovem universitária que teve divulgada uma fita com gravações eróticas comprometedoras (para outros, pornográfica, com certeza) e por isso fez Sabbath perder seu emprego de professor-convidado na instituição. Isso sem contar as inúmeras prostitutas que teve ao longo da vida e sua fixação quase doentia em duas estrelas de cinema dos anos 1960-70: Yvonne de Carlo e Ava Gardner.
E hoje, aos sessenta e quatro anos, hospedado na casa de Norman, um amigo dos tempos de juventude (Sabbath veio a Nova York para o enterro de outro amigo da mesma época, que se suicidou), ele sonha em transar com Michelle, a esposa de Norman e com a filha do casal, Debby... Acreditando que conquistou Michelle, para quem exibiu seu sexo ereto e avantajado, num jorro de contentamento, comemora: “Eu tenho uma amante!” E Roth continua: “ [Agora] Sabbath se sentia tão arrebatado e insensato quanto Emma Bovary andando a cavalo com Rodolphe [personagens de Madame Bovary, de Gustave Flaubert]. Nas obras-primas, as pessoas se matam quando cometem adultério. Sabbath queria se matar quando não podia cometer adultério.” E com paradoxos, ironia e humor ácido este livro se agiganta.
E, como diz Sabbath (ou Roth), chega enfim o momento de ir às últimas coisas. Muito mais do que sexualmente excitante, O Teatro de Sabbath é uma obra instigante (para alguns poderá ser repugnante), que provoca reflexões profundas em quem a lê, como praticamente todo livro de Roth, de um modo ou de outro, acaba provocando. Também é um livro que diverte e até mesmo emociona. Mas isso depende, é claro, de como as histórias de Mickey Sabbath vão bater em cada um. Então é cada um por si e Roth para todos (os que desejarem lê-lo)...
Lido entre 27/02 e 11/03/2013.