Os dias da crise

Os dias da crise Jerônimo Teixeira




Resenhas - Os dias da crise


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Tiago 08/05/2020

Uma crise narrativa
A literatura é provavelmente a arte mais lenta a representar o zeitgeist. Se, por um lado, há nesta lentidão a preguiça de autores notoriamente dissociados de sua realidade, há também nela a paciência de um registro que sempre se revelou o mais fértil e perene de sua época. Aos poucos, a literatura brasileira contemporânea começa a se abastecer das narrativas que ainda permeiam o nosso conturbado cenário político, desde 2013, para nos fornecer um ordenamento simbólico a este caos que por vezes até flerta com o domínio da ficção.
Os Dias da Crise, romance de Jerônimo Teixeira, tem essa proposta. O livro parte um elemento que talvez já possa ser chamado de lugar comum em títulos que também tentam dar conta deste mesmo período (tomemos os casos de Reprodução, de Bernardo Carvalho, ou de A Tirania do Amor, de Cristovão Tezza): um protagonista oriundo do ambiente corporativo, às voltas com forças históricas cada vez menos invisíveis, a exemplo da mão do mercado e dos braços dos movimentos sociais.
No caso de Alexandre, narrador da obra de Teixeira, o que distingue sua voz é o registro bem calibrado do cinismo: ao passo que se relaciona com um grupo de aspirações intelectuais e fundo puramente machista, reunido em torno da obra do filósofo John Teufelsdröckh (outro clichê destas narrativas: o guru com um discurso filosófico muito próximo ao charlatanismo), sua namorada é uma professora da USP, feminista e ideologicamente identificada com as correntes de esquerda.
Teixeira resiste à tentação da caricatura, oferecida pelas figuras que vão surgindo no trânsito de Alexandre por estes dois universos- os núcleos criados ao redor de Helena (a namorada) e da confraria de amigos. De um início insosso, em que acompanhamos o potencial (e previsível) confronto destes dois mundos, o romance evolui justo no estopim das manifestações de 2013, quando Alexandre, ciente do seu oportunismo histórico, mas sem muita mea culpa, analisa sua participação tangencial nelas e os eventos direta ou indiretamente decorrentes delas- no âmbito familiar, afetivo e sobretudo profissional (a cena final na empresa é extremamente simbólica e até mais climática, narrativamente, que a própria cena da manifestação nas ruas de São Paulo).
Ao fim, o cinismo de Alexandre é a única saída que faz de sua isenção um ingrediente mais empático que antipático nesta história — o que não deixa de ser um traço também da crise que se trata aqui: uma crise, por que não?, narrativa, quando contada por mãos hábeis que conseguirão parecer limpas até depois de enfiadas em toda a sujeira desses nossos dias.

site: https://medium.com/@tiagogermano/uma-crise-narrativa-eb690f4eafa
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Carlozandre 10/06/2019

Não foram só 20 centavos
A certa altura de Os Dias da Crise, novo livro do jornalista e escritor Jerônimo Teixeira, o narrador, um diretor corporativo de nome Alexandre Barbosa, define as manifestações que varreram o país em junho de 2013 como um "estranho evento político sobre o qual muito se escreve e do qual pouco se entende". Talvez por considerar as chamadas "Jornadas de Junho" além da apreensão, Jerônimo opta, em seu romance, por transformar a mobilização em pano de fundo para a história de um único homem entremeada a uma farsa feroz disposta a satirizar vários aspectos da sociedade contemporânea.

Os Dias da Crise enfoca o executivo Alexandre durante os meses anteriores à eclosão das manifestações. Empregado como diretor em uma empresa de perfil duvidoso que está em crise financeira e que recém contratou um picareta de boa lábia para fazer uma gigantesca "reestruturação, ele remói uma relação tumultuada com a filha, participa regularmente de um círculo de discussão baseado na obra de um escritor que fez fama criando um manual filosófico de autoajuda para executivos e engata um romance com uma fascinante professora de Letras chamada Helena. É por meio dela que ele acabará comparecendo a uma das manifestações, em São Paulo, e, embora um cínico empedernido disparando juízos críticos a tudo e a todos, se verá tentado a apanhar uma pedra do chão para jogá-la contra a fachada de um banco, momento que, para ele, sumariza a selvagem confusão daqueles dias.

Entre uma coisa e outra, o olhar sardônico de Barbosa passeia por uma série de situações com tons de fábula psicodélica. Eollo, o CEO trazido para renovar a empresa, investe tudo em um produto a ser fabricado na China mas que praticamente ninguém na companhia sabe o que é. A relação com Helena é idílica até o momento em que o autor começa a se cansar dos jogos eróticos de submissão aos quais ela está acostumada. O próprio protagonista não disfarça em sua loquacidade suas flagrantes contradições.

Crítico de literatura da revista Veja, Jerônimo cria um livro conectado à tradição da sátira humanista, e é possível alinhar muitas de suas intenções a claras citações estilísticas e temáticas. As primeiras páginas, com um Barbosa contraditório justificando que, apesar de estar naquele momento escrevendo um livro, odeia ler, tem ecos da fúria dos narradores de Thomas Bernhard. De tempos em tempos, Barbosa apela em seu relato ao leitor, seu igual na incompreensão do mundo, em um toque machadiano. Mesmo o nome do guru de autoajuda empresarial cultuado por Alexandre e seus amigos, John Teufelsdröckh (sobrenome que, em alemão, significa “esterco do diabo”), é um aceno a Thomas Carlyle e seu Sartor Resartus. Mais do que uma tentativa de explicar 2013, portanto, o livro de Jerônimo é um conjunto de pedradas disparadas em várias direções para demonstrar um teorema simples: a estupidez geral.

site: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2019/06/jeronimo-teixeira-lanca-satira-tendo-manifestacoes-de-2013-como-pano-de-fundo-cjwl9v13c03q701qteappkn4o.html
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Valério 26/07/2019

Esperava mais
Li a crítica do livro no jornal "Valor econômico" e fiquei bem curioso.
Contudo, a descrição do livro e a crítica do livro dão muito ênfase às manifestações de 2013.
Que, no livro, não se pode dizer nem que foram pano de fundo. Tem papel menor que secundário.
O livro trata muito mais da situação da empresa do protagonista, Alexandre, seu relacionamento com uma professora de esquerda e com seu grupo de amigos.
O autor escreve bem, é um experiente crítico literário da Veja.
Mas o livro não desperta, não provoca, não tem liga.
Salvo pela boa escrita, parece que faltou o conteúdo.
É exatamente o que me impede de tentar escrever. Sei que posso escrever bem. Mas temo que escreva um livro bem escrito mas insosso.
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