Carlozandre 10/06/2019
Não foram só 20 centavos
A certa altura de Os Dias da Crise, novo livro do jornalista e escritor Jerônimo Teixeira, o narrador, um diretor corporativo de nome Alexandre Barbosa, define as manifestações que varreram o país em junho de 2013 como um "estranho evento político sobre o qual muito se escreve e do qual pouco se entende". Talvez por considerar as chamadas "Jornadas de Junho" além da apreensão, Jerônimo opta, em seu romance, por transformar a mobilização em pano de fundo para a história de um único homem entremeada a uma farsa feroz disposta a satirizar vários aspectos da sociedade contemporânea.
Os Dias da Crise enfoca o executivo Alexandre durante os meses anteriores à eclosão das manifestações. Empregado como diretor em uma empresa de perfil duvidoso que está em crise financeira e que recém contratou um picareta de boa lábia para fazer uma gigantesca "reestruturação, ele remói uma relação tumultuada com a filha, participa regularmente de um círculo de discussão baseado na obra de um escritor que fez fama criando um manual filosófico de autoajuda para executivos e engata um romance com uma fascinante professora de Letras chamada Helena. É por meio dela que ele acabará comparecendo a uma das manifestações, em São Paulo, e, embora um cínico empedernido disparando juízos críticos a tudo e a todos, se verá tentado a apanhar uma pedra do chão para jogá-la contra a fachada de um banco, momento que, para ele, sumariza a selvagem confusão daqueles dias.
Entre uma coisa e outra, o olhar sardônico de Barbosa passeia por uma série de situações com tons de fábula psicodélica. Eollo, o CEO trazido para renovar a empresa, investe tudo em um produto a ser fabricado na China mas que praticamente ninguém na companhia sabe o que é. A relação com Helena é idílica até o momento em que o autor começa a se cansar dos jogos eróticos de submissão aos quais ela está acostumada. O próprio protagonista não disfarça em sua loquacidade suas flagrantes contradições.
Crítico de literatura da revista Veja, Jerônimo cria um livro conectado à tradição da sátira humanista, e é possível alinhar muitas de suas intenções a claras citações estilísticas e temáticas. As primeiras páginas, com um Barbosa contraditório justificando que, apesar de estar naquele momento escrevendo um livro, odeia ler, tem ecos da fúria dos narradores de Thomas Bernhard. De tempos em tempos, Barbosa apela em seu relato ao leitor, seu igual na incompreensão do mundo, em um toque machadiano. Mesmo o nome do guru de autoajuda empresarial cultuado por Alexandre e seus amigos, John Teufelsdröckh (sobrenome que, em alemão, significa “esterco do diabo”), é um aceno a Thomas Carlyle e seu Sartor Resartus. Mais do que uma tentativa de explicar 2013, portanto, o livro de Jerônimo é um conjunto de pedradas disparadas em várias direções para demonstrar um teorema simples: a estupidez geral.
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