Sharon 20/07/2014Notas para uma resenha posteriorA história das rainhas e reis da Inglaterra, e a Inglaterra como um todo, começou a me fascinar quando conheci Mary Stuart, num filme do Corujão. Não lembro o nome do filme, das atrizes, mas lembro da história da Outra Rainha. Então eu tinha uma expectativa gigantesca para o livro da Philippa Gregory, a maior romancista histórica da nossa época. Mas não gostei muito de como o enredo está sendo contado, nos pontos de vista de três personagens. Como todos os livros da abençoada Philippa, os pensamentos e as preocupações das mulheres são o ponto chave e o foco da história. Um sabor especial e único que não vemos em nenhum outro autor. Nenhuma mulher aqui é um enfeite frágil que morre logo depois de amar o herói ou uma "maniac pixie girl" (como muitas das mulheres de Bernard Cornwell). Mulheres reais, muitas mulheres reais. Obrigada Philippa. =)
De qualquer forma, a história fica boa depois do primeiro terço do livro. E bem boa. Não consegui mais largar, mesmo sabendo do desfecho.
Trechos:
"Uma rainha que espera sobreviver ao ódio natural que todos os homens têm por mulheres que contrariam a lei de Deus e se estabelecem como líderes precisa ser como uma rocha, algo da terra." p. 55
Bess, a anfitriã da rainha Mary por vários anos, é ótima:
"É um trabalho árduo, e eu talvez o faria de má vontade se tivesse nascido na alta sociedade. Mas não, nasci e fui criada como uma trabalhadora, e ainda sinto um grande prazer em fazer um trabalho duro, e fazê-lo bem. Não finjo ser uma dama ociosa. Trabalhei para fazer a minha fortuna e tenho orgulho disso. Sou a primeira mulher na minha família a sair da pobreza por esforço próprio. Na verdade, sou a primeira mulher de Derbyshire a possuir uma grande propriedade por mérito próprio. Até onde sei, sou a primeira mulher a usar meu próprio julgamento para fazer e conservar uma fortuna." p. 106
Depois de ler o livro, fui pesquisar os castelos que Bess construiu. São incríveis mesmo, lindos. Bess foi uma mulher impressionante.
Tem mais. Mary contando como foi estuprada por Bothwelll e então se casou com ele, e Bess replica:
"-- Ele deveria morrer por causa disso -- digo com firmeza. -- Na Inglaterra, os homens são enforcados por estupro.
-- Somente se a mulher se atreve a denunciar o estuprador -- responde ela secamente. -- Somente se ela puder provar que não consentiu. Somente se um júri acreditar na palavra de uma tola contra a palavra de um homem resoluto. Somente se o júri não acreditar piamente que todas as mulheres são seduzidas com facilidade e que, ao dizerem "não", querem dizer "sim". Até mesmo na Inglaterra a palavra de um homem tem precedência. Quem se importa com o que uma mulher diz?" p. 125
O mundo não muda muito, não é? Só um pouco:
Mais palavras de Bess sobre a realidade das mulheres por séculos, milênios a fio:
"A única razão para se ser uma esposa é conseguir uma casa, uma fortuna e os filhos que a herdarão. E o perigo terrível de ser uma esposa é o que o marido possui tudo: tudo o que ela traz consigo para o casamento, tudo o que ela herda ou ganha durante o casamento. Pela lei do país, uma esposa não pode possuir nada independentemente de seu marido, nem sua casa, nem seus filhos, nem a si mesma. Ao se casar, ela passa tudo para a guarda dele. Portanto, se um marido destrói o que ela traz para ele -- se perde a casa, gasta a fotuna, deserda os filhos, a violenta --, ela não pode fazer nada a não ser empobrecer gradualmente. Ele é um tolo e receio que ela nunca mais volte a amá-lo." p. 181
E:
"--Sempre corri o perigo de me tornar uma mulher pobre -- explico. -- Uma mulher pobre é a coisa mais baixa do mundo. Uma mulher sozinha não possui nada, não pode abrigar seus filhos, não pode ganhar dinheiro para colocar comida na mesa, é dependente da generosidade de sua família, sem a qual ela pode morrer de fome. Pode ver seus filhos morrerem por falta de dinheiro para pagar um médico, pode passar fome porque não tem profissão, nem guilda, nem habilidades. Mulheres são banidas da educação e do comércio. A mulher não pode ser ferreira nem escrivã. Tudo o que uma mulher sem instrução e sem profissão pode fazer é se vender. Decidi que a qualquer preço, eu de alguma maneira conquistaria uma propriedade e me agarraria a ela." p. 267
Mary Stuart também conhece um pouco sobre a vida das mulheres:
"--Sou uma mulher -- respondo calmamente. -- Se alguém odeia uma mulher, a primeira coisa que destrói é a reputação dela. Vão me difamar como uma mulher devassa, inapta para governar, inapta para se casar." p. 368