Craotchky 03/02/2021Sherlock in Brazil"Elementar, meu caro Watson..."
(Eis a famosa frase que Conan Doyle jamais escreveu em sua obra! Pois bem. Jô Soares, por sua vez, não deixou a oportunidade passar. Finalmente se pode ler Sherlock proferindo a famigerada oração...hehe)
Penso ser importante iniciar dizendo que os eventos narrados no livro se passam em 1886, no Rio de Janeiro, durante o segundo reinado quando a nação era comandada por Dom Pedro II, que inclusive será um personagem bastante relevante na obra. Essas informações se tornam importantes pois Jô faz muito bom uso do cenário e da época citada. Misturando personalidades históricas (como Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, Chiquinha Gonzaga, Sarah Bernhardt) e personagens fictícios, e com uma narrativa permeada de referências históricas, geográficas e culturais, Jô Soares consegue criar uma narrativa bastante eficiente quanto ao entretenimento que proporciona. Se a narração não chega a ser um primor, ela é, no entanto, leve e bem confeccionada.
Ao ler várias resenhas notei muita gente alegando que Jô descaracterizou, desrespeitou, até ridicularizou (ou algo que o valha) o lendário personagem de Conan Doyle. Ora, é preciso saber de antemão que O xangô de Baker Street NÃO é um livro sério, muito pelo contrário, trata-se de uma sátira com intenções humorísticas, e que portanto é natural e previsível que o autor brinque com o popular detetive britânico. Óbvio que o livro traz um teor jocoso em muitos momentos. Contudo, confesso que esperava ainda mais humor e acidez do que de fato encontrei na leitura.
A história é recheada de episódios curiosos: em um deles descobrimos como Sherlock Holmes foi aquele que cunhou o termo "serial killer"; em outro episódio ficamos sabendo que foi ninguém menos que o Dr. Watson quem inventou a caipirinha! Outros bons momentos surgem quando Sherlock e/ou Watson interagem com elementos brasileiros: ora um manjar, ora o ambiente, ora uma tradição... Por exemplo: Em certo ponto Sherlock, exímio boxeador, se depara, da pior forma possível, com a arte da capoeira! E não é que lá pelas tantas Holmes se apaixona por uma bela mulata brasileira e compartilha com ela instantes de fervura carnal?!
O livro do Jô também é cultura. Com ele descobri que existia um mecanismo chamado Roda dos Expostos, que tinha por objetivo facilitar o abandono de crianças. Aprendi também que existia uma tal Máscara de Flanders que funcionava como uma barreira, um impedimento para que um indivíduo não ingerisse nada. (Caso tenha ficado curioso(a) com algum dos itens mencionados, pesquise no Google e descubra mais sobre eles)
Contudo quero deixar claro que o livro não é uma beleza: assim como Jô consegue usar bem o cenário, período histórico e alguns traços culturais, não consegue o mesmo sucesso enquanto tenta produzir um romance policial (talvez nem fosse mesmo sua principal intenção). Como uma obra de comédia ele também não vai muito além de conseguir bons momentos. A maior virtude do livro parece ser mesmo sua capacidade razoável de entreter.