Amanda Nachard 17/06/2022um livro FANTÁSTICO e DEVASTADORGael jura de pés juntos que não é uma obra autobiográfica. Pode até não ser DELE, mas reflete a realidade de crianças como ele e, na medida em que junta diversas experiências na pessoa do narrador (Gabriel, um menino de apenas 10 anos), consegue conectar o leitor facilmente.
O livro se passa no Burundi, país vizinho à Ruanda e que recebeu muitos tutsis fugidos, e realmente nos transporta para a Ruanda de 1992, o estopim do genocídio tutsi em 1994.
Ainda assim, não é um livro de guerra, com violência expressa. A perspectiva infantil torna os acontecimentos metafóricos, lúdicos, e isso faz o livro ainda mais emocionante - sem deixar de ser duro. E tudo em uma perspectiva narrativa evolutiva, por onde acompanhamos o filho de pai francês e mãe ruandesa, inicialmente com uma rotina tranquila e estável, tendo sua vida completamente alterada pelos acontecimentos políticos.
Obviamente que, pelo narrador infantil, não se pode esperar precisão e profundidade sobre os acontecimentos. Deve-se ler pelo ponto de vista dos transtornos psicológicos, sociais e econômicos que isso causa no narrador - já que se trata, aqui, de vida ou morte. E é justamente o mais interessante: desconstruirmos a ideia da infância doce e sem problemas, de que crianças não percebem o entorno e não entendem assuntos complexos.
Sobre o tema, para aflorar o interesse e contextualizar, uma reportagem resumida da BBC: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140407_ruanda_genocidio_ms