Amanda 26/11/2020Conclusão fraquíssimaA revolução é necessária, mas nem sempre é bonita. Glória e Ruína se apoia inteiramente sobre essa base e levanta questões como escolhas, sacrifícios, justiça e liberdade. Em retrospecto, Graça e Fúria entregou o despertar da consciência para a reivindicação de direitos e de uma sociedade igualitária para as mulheres de Viridia, e apesar de tê-lo feito de forma superficial e, de certa forma, juvenil, o propósito foi convincente o suficiente para levar o leito até sua continuação. E foi aí que as coisas começaram a desandar.
Após o golpe de Asa para tomar o palazzo e o banimento do herdeiro Malachi e de Nomi para Monte Ruína, Viridia tomou rumos ainda mais obscuros, especialmente no que diz respeito às mulheres. Antes graças escolhidas como cortesãs e amantes, agora as mulheres do reino são arrebatadas de sua família para uma vida medíocre de abusos sexuais no palazzo. O que era desprezível torna-se aversivo nas mãos de um ditador ambicioso e sem limites.
Em Monte Ruína, as coisas não estão tão mais fáceis para Serina, ao descobrir que lutar contra os homens foi apenas o início da enorme lista de provações necessárias para comandar as mulheres que acreditam em suas palavras.
"Ela devia saber que, em Monte Ruína, sobrevivência significava dor."
Primeiramente, é necessário destacar que de todos os personagens, Serina foi a única a ter uma evolução consistente desde o início de sua jornada, primeiro como candidata a graça, depois como aia, prisioneira, e, em Glória e Ruína, líder da revolução. Para a maior parte dos demais, os eventos pareceram apressados demais ou simplesmente surreais. No caso de Nomi, inclusive, percebi uma considerável decadência do ritmo evolutivo: a personagem não apenas estagnou, como pareceu retornar ao ponto inicial da trama, como uma jovem assustada demais para fazer qualquer coisa.
Quando digo que a revolução nem sempre é bonita, devo incluir o fato de ela tampouco ser bem escrita. O golpe é a parte mais fácil nesse tipo de movimento. Quando tratado como clímax, opta-se por deixar de lado inúmeras consequências podendo surgir a partir daí. Ou pior ainda, como é o caso de Glória e Ruína: apressa-se os fatos e consequências e pula-se convenientemente para um cenário surreal. E é surreal mesmo, porque não é fornecido ao leitor pista suficiente para tornar a narrativa plausível.
Tracy Banghart faz a escolha segura e fácil para fechar a duologia Graça e Fúria e, com isso, minimiza danos e romantiza uma revolução feminista que sai completamente do tom. Para piorar um pouco as coisas, boa parte do já curto espaço para essa construção narrativa é dedicada aos respectivos arcos românticos das duas irmãs, e, sinceramente, quem quer saber de beijos na boca quando se está lutando pela própria sobrevivência?
"Viridia ainda era um lugar perverso, e suas rainhas estavam enterradas."
No meio de tantos problemas, ainda preciso ressaltar a enorme confusão que a autora faz na caracterização de Viridia no tempo e espaço. Ainda que não haja uma ambientação bem definida, observa-se que a história se desenrola em um cenário medieval com influências da cultura italiana, com longos vestidos bufantes e bailes, mas também é possível comprar água mineral em quiosques na estação de trem, o que só pode significar que há algo de muito errado com o worldbuilding desta autora.
Infelizmente, não há muita coisa boa a se falar de Glória e Ruína. Pode valer o passatempo de uma leitura rápida, com ritmo fluido e alguns momentos interessantes (todos nos capítulos dedicados a Serina), com alguma ação e suspense. Mas nada além de um entretenimento extremamente comercial e mal pensado.
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