Coisas de Mineira 07/12/2019
Através do Vazio é um livro de suspense e ficção científica do autor S.K. Vaughn. S.K. é um pseudônimo e, até hoje, a identidade do autor permanece anônima, apesar de grande especulação. O que se sabe sobre ele, no momento, é apenas o que foi divulgado na orelha do livro: já publicou três romances de grande sucesso internacional, trabalha como roteirista em vários grandes estúdios de Hollywood. Vive no Colorado.
Publicado originalmente em junho de 2019 no exterior, o livro chegou ao Brasil pela editora Suma pouco mais de um mês depois. Com uma capa muito bonita e chamativa, trata-se da história de May Knox, comandante da espaçonave Hawking II, cuja missão era explorar Europa, uma das luas de Júpiter, em busca de condições propícias à vida. O cenário já começa a chamar a atenção nesse ponto, uma vez que a maior parte das viagens espaciais da ficção científica tem como destino a Lua ou Marte.
Quando May acorda, no natal de 2067, sua nave está absolutamente às escuras, não há nenhum sinal dos outros tripulantes e ela não consegue se lembrar de nada que aconteceu depois que pousaram em Europa. Com a Hawking II à deriva, sem comunicação e com graves danos, May se vê obrigada a encarar tudo sozinha e doente, com ajuda apenas da Inteligência Artificial. O grande mistério agora é: o que pode ter danificado tanto uma nave que foi carregada de proteções, precauções e controle de danos?
“Os psiquiatras da Nasa sempre disseram que não existia lugar mais solitário do que o vazio do espaço. A mente humana não foi concebida para compreender a expansão infinita do universo e o silencio frio e absoluto do vácuo.”
Inicialmente, a trama do livro parece muito interessante e envolvente. Muitas pessoas disseram que era uma versão filosófica de Perdido em Marte, ou o melhor thriller de sobrevivência no espaço desde Perdido em Marte. Por isso, minhas expectativas estavam bem altas. E, embora durante a primeira metade da leitura essas expectativas tenham sido supridas, a partir de um certo ponto a leitura começa a ficar seriamente difícil.
Quanto à parte científica do livro, não posso dizer com precisão se está tudo conforme a realidade. Claro que em um livro existe uma certa licença poética para manipular a história e dobrar os fatos conforme a necessidade. Mas, de fato, a ficção científica de Vaughn soa muito superficial e pouco pesquisada. Obviamente, não é nada que incomode demais ou prejudique o transcorrer da história, pelo menos para mim, que tenho pouco conhecimento de astronomia e física espacial.
No entanto, um dos fatores que realmente incomodam é o desenvolvimento fraquíssimo de personagens. A princípio, May parece uma personagem muito forte, destemida e com a dose certa de background problemático para torná-la interessante e profunda. Até pouco depois da metade do livro, eu realmente a considerava uma personagem genuinamente bem escrita e bem trabalhada, apesar de alguns (vários) momentos de descontrole.
Disso, evoluí para a opinião de que May era uma bagunça, uma pessoa realmente destruída e essencialmente péssima. Cheguei a acreditar que era uma personagem escrita de forma a ser mesmo ruim, aquela personagem que, por pior que seja, ainda nos faz torcer por ela. Porém, da metade do livro pra frente, eu simplesmente não conseguia mais acreditar nisso.
Quando acabei de ler, eu fiquei parada olhando pro nada por uns bons minutos, refletindo. Procurei resenhas e opiniões de outras pessoas para saber se só eu tinha ficado com a péssima impressão de que S.K. Vaughn tinha realmente transformado uma promissora história em algo tão… Hollywoodiano que chegou a dar enjôo. Sabe aquele livro escrito por um homem, com uma protagonista mulher que reproduz todos os estereótipos e comportamentos clichês femininos da ficção?
“O espaço era extremamente inclemente. No espaço não existiam problemas pequenos. Cada minuscula rachadura que passava despercebida tinha o potencial de se transformar em um buraco escancarado, faminto por vidas humanas. Pela vida de May.”
Essa foi a minha impressão. Vaughn transformou May, inicialmente a forte comandante da primeira missão tripulada ao espaço profundo, em uma mulher instável, dependente e completamente emocional. Além disso, Vaughn toca em um ponto contraditório. May é uma mulher negra e, apesar disso ficar claro tanto na capa do livro quanto na história, o autor reforça o tempo todo que isso não tem relevância ou mesmo significado, perdendo a oportunidade de tratar de um assunto atual e relevante.
Meu segundo ponto de incômodo foi o fato de que claramente Através do Vazio foi escrito com o propósito de ser adaptado para os cinemas. Aliás, o contrato para essa adaptação já está assinado, o que contribui para a minha teoria. O tempo todo acontecem problemas na nave, problemas na Terra, problemas com o emocional de May, problemas em seu casamento.
Existem trechos em que, literalmente, um problema é resolvido e no parágrafo seguinte algo acontece. E embora o livro seja um thriller, essa dinâmica se torna extremamente cansativa. A trama não flui com naturalidade. Por consequência, o produto final é um livro que trata muito mais do drama estilo novela Mexicana, com direito a triângulo amoroso, traições, sabotagens, tiroteios e mortes, do que do plot inicialmente proposto. E menos ainda da missão no espaço profundo.
“Você quer ser o herói, como todos os homens, e não enxerga que eu não preciso de um herói. Eu sou a heroína. Eu.”
Quando digo que Através do Vazio foi propositalmente roteirizado, é principalmente disso que falo. Vaughn inegavelmente descarta a chance de discorrer sobre o isolamento do espaço, a profundidade de uma missão tão importante, a amplitude do universo e o sentimento humano, para valorizar o drama e explosões. Talvez provavelmente o correto seria dizer que o livro tentou abordar muitos tópicos de uma só vez.
Poderíamos dizer, portanto, que até cerca de 40-50% de Através do Vazio foram bem escritos. A partir daí, parece que tudo começa a se perder, introduzindo personagens demais, conteúdo demais, o que no fim acaba embolando as coisas e tornando-as lentas, sem foco e confusas. A trama começa a sair do espaço e se focar na Terra, o que deixa tudo estagnado. A introdução do marido de May, do ex-namorado de May e do chefe da Missão na NASA trazem um ar enfadonho.
Tanto quanto conquista no início, o livro consegue deixar o leitor entediado, perde o ritmo e acaba trazendo um final corrido. O final, que com o passar das páginas, passa a ser o que realmente nos interessa e nos move, é contado de forma superficial, corrido e muito menos explorado do que gostaríamos que fosse. Basicamente como em um filme, o final está ali apenas para dizer que a história teve conclusão. Ele fecha arcos, sim, mas não de forma satisfatória.
Enquanto entretenimento, cumpre a função básica de divertir e distrair. É uma história interessante, que (até certo ponto) prende o leitor. Torcemos por May e por Stephen, seu marido. Nos apegamos à Eva, a Inteligência Artificial da nave e responsável por grande parte do sucesso de May em manter a nave à salvo e funcionando. Por fim, apenas senti que o autor se perdeu e perdeu a chance de criar um verdadeiro thriller de sobrevivência no espaço, mas ainda vale dar uma chance a Através do Vazio!
Por: Victoria Rigotti
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