NinaeraiosdeSol 18/03/2024
"nenhum dos dois poderia jamais se daptar ao mundo"
O início (e com isso eu quero dizer até meados da página 150) foi conturbado, demorei a me adaptar a dinâmica narrativa. Há uma frieza que chega a ser um tanto grosseira, como se fosse indiferença. Ela é desconfortável e é gradualmente recompensada por diálogos muito bons e profundos entre eles. De algum modo, o fato da obra ser sustentada pela Marianne e pelo Connel de maneira a tornar os espaços em que eles não estão juntos quase vazios, retrata bem como eles próprios parecem se sentir mediante a distância um do outro.
Entre o meio e o fim eu já estava imersa neles. Há um conforto na tristeza, naquela dor, como se ela fosse familiar e repetida ao longo da história. Há esse oco que permanece. Como se a relação de Connel e Marianne desmembrasse uma forma tão profunda de vínculo que o que resta a ser descoberto um no outro é o futuro e essa dor inócua que pertence a cada um. Intocável, quase indecifrável, mas longa e íntima.
Não sei desvendar bem os motivos pelos quais a relação persista diante de tantos desencontros, talvez nem eles, talvez seja o fato de não haverem motivos que torne isso tudo amor. Um amor que sobressalta a relação de poder que ela clama e que ele cede, sabendo que não poderia viver sem isso, sem a possibilidade de tê-la sempre que quisesse.
Acho que é uma leitura que vale, ainda mais à aqueles que vivenciem o momento jovem adulto junto com os conflitos que isso carrega. Se estivesse com a saúde mental mais fragilizada admito que teria me machucado com a leitura.
A maneira como a Sally Rooney escreve é sensível. Ela descreveu com maestria a depressão do Connel. Me alegra a perspectiva melancólica dela, mas sobretudo como é palpável, como os personagens são vivos e humanos. Sem rodeios, sem perfeicões, eles são reais e sofrem diante da brutalidade da própria humanidade.
"Coisas lhe aconteceram, como acessos de choro, ataques de pânico, mas pareciam se abater sobre ele vindos vindos de fora, em vez de emanar de algum lugar de dentro dele. Internamente, não sentia nada. Era como um congelado que tivesse degelado rápido demais ao ar livre e derretesse para todos os lados enquanto por dentro continuava duro. De um jeito ou de outro, exprimia mais emoção do que em qualquer outro momento de sua vida e, ao mesmo tempo sentia menos, sentia nada."
A cena que antecipa o fim, em que a Marianne é agredida pelo irmão, me atingiu profundamente. Me forcei a não chorar. A fragilidade dela ganhou outra forma, assim como a passividade se mostrou ainda mais justificada. Lá estava ela, tal como uma criança sem amparo que encara o mundo esperando retorno. A vida entre ambicionar profundamente ser amada e obter uma certeza eterna de que jamais será, de que não pode haver amor sem algum traço de dor, de ódio e como se ela fosse responsável por qualquer violência que vir a sofrer, como se merecedora.
Série x Livro: acredito que haja um potencial muito firme em se decepcionar com a leitura após assistir a série. Os fatos narrativos são os mesmos integralmente, o que distoa são as perspectivas psicológicas deles, que ao meu ver valem e acrescentam muito. A parte que pode vir ou não a ser decepcionante é em relação ao ritmo e ao calor da história que aqui beira ao inexistente.
Apesar de ter sido um pouco decepcionante e quebradiço, eu gostei do livro, definitivamente não tanto quanto desejava. Dificilmente o recomendaria ainda que os personagens tão belos e tão bem construídos me deixem mais afetuosa em relação a história.