André 08/06/2017
[POR UMA REVISÃO DAS QUESTÕES DE GÊNERO]
No Texto de Butler os termos base para a análise das questões, que normalmente são partilhados com o leitor como constituintes da coerência interna do texto, aqui são tomados, à parte, como categorias a serem investigadas. Não há, portanto, um a priori definido do qual se possa partir com segurança. Faz-se necessário um levantamento e investigação das categorias prévias que até então constariam entre nós, como parte de um discurso naturalizado e irrefletido. Assim os conceitos de sujeito, identidade, predisposição, sexo, gênero e desejo serão enfrentados na perspectiva de analisar as condições e formas em que os mesmos foram forjados.
Em um empreendimento tipicamente Foucaultiano, Butler busca explicar as categorias fundacionais de sexo, gênero e desejo como efeitos de uma formação específica de poder, através de uma forma de investigação crítica, a qual Foucault, reformulando Nietzsche, chamou de “genealogia”.
A questão inicial circula entorno do sujeito de um corpo. Judith identifica o corpo como um significante. Na cultura o corpo emerge como pré-significado, como anteriormente significado. O que acontece ao sujeito e à estabilidade das categorias de gênero quando o regime epistemológico da presunção da heterossexualidade é desmascarado, revelando-se como produtor e reificador dessas categorias ostensivamente ontológicas. Seria a construção da categoria das mulheres como sujeito coerente e estável, uma regulação e reificação inconsciente das relações de gênero.
Partindo deste lugar um tanto difícil, o de investigar as formas de representação que constituem o sujeito em sua especificidade, a autora tratará de analisar as contribuições de feministas como Beauvoir, Irigaray, Kristeva e Riviere. Se para Beauvoir o feminino é o lugar ocupado diante de um significante universal do masculino, para Irigaray o feminino é representante de uma ausência discursiva fora das estruturas de significações próprias da norma, e da lei de enunciação. Não há, portanto, uma visão de representação do feminino que não seja essencialmente negativa, o que a leva Butler até a análise de textos psicanalíticos.
Há um belíssimo capítulo em que se abordam textos de Freud a respeito da constituição dos sujeitos segundo o mecanismo da melancolia próprio ao complexo de castração. Lacan também será abordado na interlocução com Riviere e Kristeva através do conceito de “mascarada” como efeito de uma melancolia que seria essencial à representação feminina como tal.
A crítica a abordagem psicanalítica tomará forma na análise dos textos de Foucault. Este, argumenta que a "lei” estruturalista pode ser compreendida como uma formação de poder, uma configuração histórica específica, produtora do desejo que supostamente ela reprime. O desejo e seu recalcamento são uma oportunidade para a consolidação das estruturas jurídicas; o desejo é fabricado e proibido como um gesto simbólico ritual pelo qual o modelo jurídico exerce e consolida seu próprio poder.
Butler chega ao fim do texto, tendo percorrido grande parte da produção intelectual sem cair na posição de sintetizar sua análise. Ao que parece ela formulou questões essenciais para traçar a dialética negativa da trajetória dos feminismos.