Marc 27/02/2022
“Mudaram as estações e nada mudou/ mas eu sei que alguma coisa aconteceu/ está tudo assim tão diferente” (Renato Russo).
Nessa fase da vida, o fim da infância e o começo da adolescência (mas pode servir também para o começo da juventude) as coisas vão mudando como se houvesse uma certa inércia à mudança, algo que resiste, que teima em manter tudo como sempre foi. Embora o mundo continue girando na mesma velocidade de sempre, com acontecimentos variados todos os dias, e mesmo o entorno esteja sendo abalado por mudanças drásticas, nessa idade não se percebe muita coisa. Essa inércia é a consciência (ou ausência dela) de uma pessoa que está entrando em uma nova fase da vida, desconhece o mundo e a si mesma e não consegue nem notar suas próprias mudanças. Ao mesmo tempo em que existe uma curiosidade pela vida adulta, há ingenuidade de como tudo funciona, quase nada do que se faz tem consequências para a vida toda — e quando tem, ainda assim, a pessoa dessa idade não consegue medir a amplitude de seus atos.
Esperava uma história com algum tipo de lacração e adiei a leitura por bastante tempo. Imagine, duas meninas numa faixa de idade em que tudo é novo e elas não tem a menor ideia de que jamais voltarão a ser as mesmas... Terreno fértil para um monte de bobagem ideológica e sem graça. Mas não é o caso. Na verdade, o que mais me cativou foi justamente essa inconsciência das meninas olhando para o mundo a sua volta de um ponto de vista muito parcial. Elas não entendem as razões para as brigas dos adultos, dos adolescentes mais velhos, as diferenças entre as pessoas, mas tem que se encaixar de alguma forma nesse mundo que já existia antes delas (sair da infância é se deparar com a cruel verdade de que o mundo não gira a seu redor) e que vai continuar muito depois que elas tiverem morrido. De certa forma, o mundo se abre, pleno de possibilidades, mas também pleno de indiferença e até crueldade.
A história vai acontecendo e sendo contada a partir da visão das meninas, mas elas não são o centro da ação — ninguém é. O mundo tem infinitas histórias acontecendo ao mesmo tempo e elas descobrem que praticamente nenhuma, a não ser a própria, pode ser controlada ou mesmo conhecida por elas. E mesmo esse controle da própria vida é relativo, pois há intersecções com as histórias de seus pais, familiares, amigos e mesmo desconhecidos e isso afeta sua trajetória. Não sei se podemos falar em beleza, pois muitas histórias são tristes, algumas são terrivelmente cruéis (não me refiro necessariamente à HQ, mas à vida em geral) e outras até mesmo verdadeiros contos de horror, mas todas, sem exceção, trazem a possibilidade de aprendizado e crescimento. É esse o ponto implícito (por certo, também, óbvio) que as autoras estão tratando e que faz com que seja uma história bastante interessante. As coisas mudaram para sempre, impossível dizer como, mas tudo ficou diferente depois desse verão.