Pandora 11/09/2022‘O cerne da proposta se resumia a isto: era preciso acabar com um regime fraco, afastar a ameaça comunista, suprimir os sindicatos e permitir que cada patrão fosse um Führer em sua empresa.’ - na reunião do Partido Nazista com os maiores empresários da Alemanha.
O livro trata de dois fatos importantes para a Segunda Guerra Mundial, porém pouco retratados: a reunião de 20 de fevereiro de 1933, entre os líderes do Partido Nazista, Hitler e Goering e os maiores empresários alemães; e as manobras, chantagens e encontros que culminaram na anexação da Áustria ao Reich.
Sem dúvida que, por si só, estes dois fatos poderiam ser atraentes o suficiente para uma leitura; eu que não estava muito animada para a temática ‘guerra’ neste momento; o que eu não esperava era uma escrita tremendamente fluida, dinâmica e debochada, feita com uma intimidade tal que você jura que o Vuillard era uma mosquinha xereta na época dos fatos, embora ele nem tivesse nascido. Bem, então talvez ele fosse. A verdade é que ele fez uma pesquisa danada. E sobre a pesquisa e a forma que escolheu para a narrativa, ele afirmou: ‘A escrita nada mais é do que o caminho ardente forjado por um ponto de vista subjetivo através do emaranhado de fatos.’
Apesar de não ser novidade que o grande empresariado banca campanhas eleitorais, incluindo governos ditatoriais, quando Éric nomina empresas financiadoras do nazismo que ainda estão em atividade, ele nos faz pensar nisso de maneira mais tangível. Ele aproxima a nossa realidade com um passado que não nos pertenceu. Assim como quando os bastidores de grandes negociações e eventos vêm à tona - ainda que de maneira romanceada - a certeza de que somos todos humanos e, portanto falhos, com medos, fraquezas, gafes, nos faz ver a vulnerabilidade como bem comum.
Para Yuri Al’Hanati, do canal do YT Livrada!, Vuillard ‘é meio caótico na escrita’. E, sim, é. Ele digressa em sua narrativa trazendo figuras como Louis Soutter, um pintor e artista gráfico suíço que produziu a maior parte de seu trabalho no hospício e Anton Bruckner, compositor austríaco católico, que tinha crises de depressão, fazendo links no mínimo estranhos. Ele se pergunta, por exemplo, onde estarão as moças sorridentes do vídeo da Anschluss [1] e quais serão suas lembranças. Certamente os leitores que preferem escritas mais tradicionais, seja pela forma, seja pelo conteúdo, podem ficar insatisfeitos. Mas, para mim, este é o grande barato de Vuillard, nos unir pelo que somos: humanos.
‘Frequentemente, as maiores catástrofes se anunciam aos poucos.’ - fim do capítulo ‘Um dia ao telefone’.
Notas:
[1] Anschluss - anexação político-militar da Áustria pela Alemanha nazista em 1938.
A ordem do dia foi o livro vencedor foi prêmio Goncourt em 2017.
Éric Vuillard, além de escritor, é cineasta.