fernandaugusta 08/11/2023Com amor, Anthony - @sabe.aquele.livroEis aqui o melhor livro de ficção que já li com um personagem autista. Não aquele autista Asperger gênio que todo mundo gosta de ver, como se fosse uma atração. Não. Aqui temos Anthony, um menino que não fala, que precisa de uma rotina regrada, que tem crises, estereotipias e interesses muito restritos: alinhar pedras, balançar, assistir Barney e que ama o número três.
Este autismo, o que abala famílias, o que dá medo do futuro, que requer horas e mais horas de terapia, quase nunca é colocado em destaque. Mas Lisa Genova conseguiu.
Neste livro, temos a história entrelaçada de duas mulheres, que se passa na Ilha de Nantuket. Beth Ellis é casada, tem três filhas e sua rotina de dona de casa consumiu o sonho de ser escritora. Diante da traição do marido, Beth se encontra em uma encruzilhada de insegurança pela vida que considerava certa, e posteriormente, de resgate de si mesma. Este resgate vem na forma de uma história que ela começa a escrever, dando voz a um menino autista.
Já Olivia está na ilha a pouco tempo e vive praticamente em isolamento, devido ao luto. Liv é a mãe de Anthony, um garotinho autista, que faleceu aos 8 anos. Antes disso, as dificuldades com o espectro já tinham abalado o casamento de Liv com David, e a perda de Anthony mergulhou Liv em uma depressão profunda, e separou de vez o casal. Em sua solidão, Olivia também começa um doloroso caminho de retraçar as memórias da curta vida de Anthony, através da leitura de seus diários e da fotografia.
Lisa Genova não aproxima suas protagonistas no início, ela deixa este papel para Anthony. Beth vai escrevendo pela visão de Anthony, em uma das mais belas construções do que seria o mundo visto por uma criança autista. Nunca li nada parecido.
Já os diários de Olivia me doeram no fundo do coração, pois já passei por muitas das situações que essa mãe questionou e sofreu. Como mãe de um menino autista, o relato de Olivia desde a descoberta até seu cansaço e suas tentativas de compreender o filho, o medo que ele sofra, o julgamento de terceiros, a exclusão... tudo isso faz parte das famílias que estão no espectro. A morte de Anthony e o questionamento desta mãe acerca do propósito de tanto sofrimento são a base que dá a finalidade a esta história: como se reerguer? É possível sobreviver a tamanha dor?
Será possível para estas mulheres, que deste escontro elas possam redescobrir a felicidade, e motivos para sorrir em meio à perda e aos sonhos perdidos?
Não é uma leitura fácil, mas eu diria que é necessária, pois são tantos pontos de vista abordados com tanta sensibilidade e maestria - a esposa e mãe traída, a mãe que perdeu o filho neurodiverso, e o do próprio menino - que é impossível não se emocionar, em um exercício de empatia de 300 páginas que tem um epílogo "matador", um dos finais mais belos que já tive a oportunidade de ler, em lágrimas.
Tem livros que são lições. Este tem tantas que fica até difícil resumir.