spoiler visualizarCarol Fernandes 25/05/2013
O Auto da Barca do Inferno
O livro o Auto da Barca do Inferno foi escrito em forma de teatro, onde Gil Vicente, através do “desfile de personagens”, critica os costumes e o comportamento da sociedade da sua época.
Sua obra era apresentada a “alta sociedade” da época. Ele utilizava da sátira para criticar o próprio público que assistia, e estes por sua vez, nada mais faziam do que rir.
Nesse auto Gil Vicente apresenta personagens que representam a sociedade portuguesa dessa época, onde cada personagem aparece com um objeto como símbolo de seu “pecado”.
Esses personagens são: O Anjo e o Diabo, o Companheiro do Diabo, um Fidalgo, Onzeneiro, Joane (o Parvo), Sapateiro, Frade e Florença (uma moça), Alcoviteira, Judeu, Carregador, Procurador, Enforcado e Quatro Cavaleiros.
A história se passa da seguinte maneira: esses personagens estão todos mortos, e um de cada vez chega ao um cais. Nesse cais se encontra dois barcos, que os levará ao lugar que cada um merece. Cada barca tem um condutor, uma o Anjo que encaminhará as almas para a glória, e outro com o Diabo, que conduzira as almas para o inferno.
O primeiro a chegar é o Fidalgo, acompanhado por Pajem que lhe ajuda a carregar o manto e a cadeira. O fidalgo representa o Orgulho, ele chega primeiro a barca do Diabo, e com todo o orgulho recusa-se a entrar, parte para a outra barca, a do Anjo, que pergunta a ele o que quer, respondendo: “Que me leixeis embarcar; / sou fidalgo de solar, / é bem que me recolhais” (p. 23). Nessa frase ele que dizer que ele é um senhor de nobre linhagem, de família tradicional. Já o Anjo não o deixa entrar, argumentando que nessa barca não tem espaço para sua cadeira e seu “rabo” (manto muito comprido), fazendo relação ao seu orgulho. Passando assim para a Barca do Diabo.
O próximo a chegar é o Onzeneiro, que traz uma bolsa, o símbolo da usura que cometera, e em meio a conversa ele mesmo se condena ao dar uma resposta ao Diabo. O Diabo lhe diz: “Ora mui, muito espanto / não vos livrar do dinheiro” e ele responde “ nem tão-sóis pera o barqueiro/ não me leixaram nem tanto” (ele que dizer que não lhe deixaram nada nem uma moeda para o barqueiro). Assim passa para a barca do Anjo, pedindo para que o deixe entrar, já o Anjo diz que a sua bolsa era muito grande e que não entrava na barca, ao responder ao Anjo que a bolsa estava vazia, que tinha deixado seu dinheiro em vida, acaba se condenando, pois apenas comprova a vida de exploração que ele vivia. Assim não lhe resta outra saída, ele entra na barca do Diabo.
Outro que chega ao cais é o Parvo, que não traz nada com ele diferente dos demais, chega na barca do Diabo, quase entra, mas desequilibra e desiste de entrar quando descobre para onde ela vai, passa para a barca do Anjo, que permite entrar “Tu passarás, se quiseres;/ porque em todos teus fazeres/ per malicia não errastes”. Todos os pecados cometidos pelo Parvo não são pecados, pois ele fez sem saber. O Anjo pede para esperar para ver se chegava alguém que merecia mais que ele de entrar na barca.
O próximo a chegar é o Sapateiro, que traz com ele as formas que usa em seu oficio, passa pela barca do Diabo, depois de uma conversa com o Diabo passa para a Barca do Anjo, e seu argumento para entrar na barca é de que ele tinha feito a comunhão e a confissão antes de morrer e que assim seus pecados estavam perdoados. Assim passa conformado para a barca do inferno.
O frade é o próximo a chegar, chega trazendo apenas o seu habito e acompanhado, por uma moça, sua amante, conversando com o Diabo revela-se cortesão e dança e acaba entrando na barca do Inferno. Nem passa pela barca do Anjo, é apenas ironizado pelo Parvo.
A próxima a entra é a Alcoviteira, o Diabo pergunta o que ela traz ela responde “ seiscentos virgos postiços/ e três arcas de feitiços/ que não podem mais levar.” O que revela que ela explora a prostituição e que também faz feitiços. Ela embarca na Barca do Diabo.
O outro a chegar é o Judeu, que traz com ele um bode, o Diabo não quer o judeu, ele pede ajuda para os que já estão na barca, mas ninguém o quer na barca. O Diabo acaba levando, a reboque.
Os próximos a chegar são o Corregedor e o Procurador, que traz com eles os seus livros e processos e suas falsificações e vão da barca do diabo para a do Anjo, mas esse não os quer ali, então estes entram na Barca do Diabo, encontrando alguns conhecidos sues.
Outro a chegar é o enforcado, que traz com ele uma corda, o Diabo o convida a entra na barca, mas ele se recusa dizendo que “se Garcia Moniz diz/ que os que morrem como fiz/ são livres de Satanás...”, ele se reusa a entrar porque Moniz disse que quem morre dessa forma perdoado está. Mas após muito falar, ele acaba entrando na Barca do Diabo.
Os últimos a chegar são quatro cavaleiros, que passam direto para a barca do Anjo, pois eles já estavam absolvidos das culpas por ter lutado em uma guerra em nome de Cristo, encerrando-se assim, com os cavaleiros embarcando para o Paraíso junto com o Anjo.
Pude perceber com essa leitura que parte das criticas de Gil Vicente, estão destinadas a Igreja, mas não a fé cristã e sim a algumas ações, como por exemplo, ao citar o Frade, a critica dele esta voltada a ostentação dos padres, a usura praticada pela própria Igreja nesse período. Fica bem claro isso quando no final da peça os cavaleiros entram para a Barca do Anjo. Esses cavaleiros que seguraram a bandeira de cristo e lutaram pelo o cristianismo – aqui acho que aqui ele faz referencia aos cavaleiros das cruzadas.
Assim fica claro que as criticas dele estão voltadas a algumas ações da Igreja e não da Fé do cristianismo, ate mesmo porque ele é extremamente católico.
Tentei descrever um pouco de cada personagem para entender melhor a critica que Gil Vicente destinou a sociedade dessa época. E ao ler detalhadamente cada personagem pude perceber que podemos comparar esses personagens, escritos a mais de quinhentos anos, com pessoas da nossa sociedade hoje.
Quando ele cita o Sapateiro, que diz que deve ir para o Paraíso porque foi a todas as missas, pagou o dizimo, se confessou e pediu perdão antes de morrer. Isso é muito comum ainda hoje, é tão comum ver pessoas falando mal umas da outras, criticando a vida do outro, praticando atos ilegais, e que estão todos os domingos sentados nas fileiras da Igreja, e julgando e condenando o próximo, sem ver suas próprias ações.
Quando ele cita o Procurador e o Corregedor, hoje o que mais se fala é em fraudes praticadas em vários setores da nossa sociedade, principalmente no político e no judiciário. Todos os dias há reportagens em jornais sobre praticas fraudulentas, fora as que não são divulgadas. E aqui podemos perceber que essa pratica não é de hoje, são atos que vem sendo carregados a séculos.
E quando ele cita o Fidalgo, o Orgulho e grandeza, nós estamos em pleno século XXI, ainda temos uma divisão absurda em nossa sociedade, praticamente um abismo entre os ricos e pobres, e esses não se misturam não agem, se mantêm isolado no mundinho deles, com todo o seu orgulho e prepotência.
Se Gil Vicente estivesse escrevendo essa obra nos dias de hoje, teria uma gama de personagens para compor sua critica a sociedade de hoje, principalmente no campo político.