Coruja 31/07/2010Quantos anjos podem dançar numa cabeça de alfinete?Se algum dia eu conseguisse resumir minhas leituras favoritas de todos os tempos numa lista de dez nomes (não hierarquicamente, porque venhamos e convenhamos que não há critérios racionais para comprar autores de gêneros diferentes... e até do mesmo gênero literário, às vezes... e a minha lista tem coisas completamente díspares), Belas Maldições seria, muito certamente, um dos títulos lá presentes.
Terry Pratchett, sozinho, é simplesmente delicioso. Neil Gaiman, por sua vez, é o tipo de autor cujos livros você dorme com eles na cabeceira (eu dormiria, se não fosse alérgica). O que pode haver de melhor, portanto, que um livro escrito por esses dois verdadeiros gênios da ficção?
Talvez ler Belas Maldições num dia chuvoso, comendo três barras de chocolate ao mesmo tempo. É, a vida não pode ficar muito melhor que isso...
Antes que eu continue com minhas declarações totalmente bizarras e sem sentido, vamos ao que importa, o livro. Ou melhor dizendo, O Livro.
Para aqueles que faltaram a aula de religião, são ateus de carteirinha ou, simplesmente, nunca tiveram a curiosidade de procurar nada sobre o assunto, vamos começar com uma aulinha bíblica. Existem dois lados fundamentais da balança, certo? Deus, sobre os céus e Lúcifer sob os Infernos. Eu poderia escrever aqui um tratado sobre a primeira rebelião, citando Milton e Gaiman, mas, para resumir a história... Lúcifer rebelou-se contra Deus (embora haja teorias em que essa rebelião tenha sido um plano do próprio Deus para que pudesse haver equilíbrio e dualidade e Lúcifer, portanto, não seria um rebelde, mas sim um instrumento da Divina Vontade), entrou em guerra contra as hostes angelicais, levou a pior, foi lançado para o Inferno e, desde que conheceu Adão e Eva, decidiu que levar a humanidade à perdição seria sua missão de "vida".
Assim é que toda a história humana seria o desenrolar desta batalha, que caminha para a última de todas as batalhas, o Apocalipse, também conhecido como Fim do Mundo, Ragnarök, Gehenna... tudo depende de qual religião/jogo de RPG você está.
E o Apocalipse começa, é claro, com a vinda da Besta, o Anticristo, o Inimigo. E, se você é fã de filmes de terror, a essa altura já se lembrou de A Profecia. Pois bem, Belas Maldições é, nada mais, nada menos, que a versão de Gaiman e Pratchett do Apocalipse. E que versão...
Tudo começa, é claro, com o Gênesis, onde somos apresentados ao anjo Aziraphale e ao demônio Crowley. Por milênios, estes dois estiveram na Terra, assistindo a evolução humana. Por passarem tanto tempo longe de seus lares originais e também por suas naturezas próximas (afinal, Crowley foi anjo também, um dia. O problema dele foram, realmente, as más companhias...), os dois acabaram atingindo uma certa espécie de trégua... ou mesmo, uma insólita amizade.
Eu tenho uma teoria particular - nunca vi escreverem exatamente sobre isso, mas também nunca vi refutarem, mas deve haver algum lugar por aí onde respondam essa questão - de que Aziraphale é uma versão literária do próprio Pratchett, enquanto Crowley é o Gaiman. Bem, eu sei que ao menos o nome de Aziraphale foi invenção do Pratchett, que fez uma amálgama de nomes angélicos muçulmanos.
Fora que em Discworld temos contato com Azrael em O Senhor da Foice. Na verdade, na verdade, há muito do Mundo do Disco transladado para o 'fim do mundo' - quem não há de se lembrar de Morte, agora como um dos quatro Motoqueiros do Apocalipse?
Nem Crowley nem Aziraphale ficam exatamente felizes ao perceberem que... bem, que o fim do mundo está próximo. O Inferno não é exatamente um poço de prazeres e o Céu... bem, o céu é meio tedioso... todos os bons músicos, afinal, estão Lá Embaixo.
E esse será um importante argumento de Crowley para Aziraphale quando eles se propõe a impedir a Grande Batalha.
Não vou entrar em muito mais detalhes sobre a história do livro, porque, afinal, não haveria graça alguma se eu entregasse o plot antes de vocês lerem. E Belas Maldições É UM LIVRO QUE VOCÊS TÊM DE LER.
E eu não digo isso apenas pelo fato de ter os dois autores na minha lista de favoritos. Belas Maldições é o tipo de livro que você lê de uma sentada só, porque uma vez que tenha começado, não quer mais parar de ler. É um livro de narrativa ágil (afinal, falta uma semana para o apocalipse; o mundo está previsto para acaba este sábado, antes do jantar), com um punhado de personagens cativantes (do anjo meio antiquado, grande colecionador de livros, o demônio cool dirigindo um Bentley preto ao Anticristo preocupado com as florestas e com os níveis de poluição... sem contar os caçadores de bruxas, a bruxa, o Cão e, é claro, the hell's angels, os quatro motoqueiros do Apocalipse), cheio das notas de rodapé (eu acho que vou entrar na Ordem de Santa Beryl), do humor mundano e ao mesmo tempo, peculiar típico do Pratchett e da cadência meio poética, onírica de Gaiman.
Eu perdi a conta de quantas vezes li esse livro em específico... E cada vez que eu li, ele só me deixou mais apaixonada. Mesmo para aqueles que não entendem lhufas de religião, e podem perder com isso uma ou outra citação, Belas Maldições é um livro realmente interessante, que reúne o melhor desses dois grandes autores.
E se vocês estão querendo saber a responda para a pergunta do título... bem, desde que a dança seja uma gavota e ele tenha um par que saiba dançar também, apenas um anjo pode dançar na cabeça de um alfinete.
Leiam para entender...
Antes que eu me esqueça, há um “extra” no site da editora Harper Collins com as listas de resoluções de ano novo de Crowley e Aziraphale. É um bom começo para quem não leu o livro... e um presente para quem leu...