jota 08/07/2020Minha avaliação: 4,7/5,0 – MUITO BOM (embora cansativo em alguns trechos)Ivan Gontcharov (1812-1891) publicou este livro em 1859 e ao longo do tempo ele se tornou um clássico da literatura russa, embora não seja assim tão conhecido ou lido como certas obras de Dostoievski, Tolstoi ou Tchekhov, por exemplo, autores que vieram depois dele. O personagem-título, o quarentão Oblomov é visto por alguns estudiosos brasileiros como um “homem supérfluo”, por sua indolência e até mesmo o comparam ao nosso Macunaíma, de Mário de Andrade. Ou ainda, por Oblomov achar que não valia a pena deixar seu sofá para fazer coisa alguma, comparam-no ao escriturário Bartleby, de Herman Melville. Em ambos os casos as comparações procedem.
Oblomov vive em São Petersburgo com seu velho criado Zakhar (preguiçoso e espertalhão), num amplo apartamento alugado, mas é dono de uma propriedade rural que não vai lá muito bem, talvez porque esteja sendo mal administrada, desconfia. A Rússia começa a passar por mudanças importantes mas ele não percebe muito bem o que ocorre no país, não parece interessado em nada além de dormir no seu sofá. Até recebe alguns amigos que o visitam, mas passa mesmo a maior parte do tempo dormindo. Não cumpre seus compromissos sociais e vive a sonhar com a infância na propriedade dos pais. O capítulo intitulado “O Sonho de Oblomov” é um dos mais extensos e interessantes da obra, porque traz uma “(...) vasta pintura pastoral do mundo patriarcal dos senhores de terra” daqueles tempos, conforme Rubens Figueiredo, que traduziu a obra e escreveu uma ótima Apresentação para esta edição (Companhia das Letras, 2019).
Para sua sorte, senão estaria mais arruinado ainda, Oblomov tem como grande amigo desde a infância o agora homem de negócios Stolz, um ágil empreendedor de origem alemã, Stolz o auxilia em diversas ocasiões e tenta administrar a vida econômica do indolente amigo com sucesso. É ele também quem vai apresentar-lhe a bela e culta Olga, por quem Oblomov acaba se apaixonando. Quando Stolz sai em viagem de negócios por um longo tempo Oblomov aluga uma propriedade no campo (uma dacha) próxima de onde Olga e sua tia estão residindo no verão para ficar em companhia dela. Lá, Olga tenta mudá-lo, fazer com que Oblomov se torne um homem culto, mais sociável e menos indolente. Ao mesmo tempo Gontcharov nos faz perceber que a personalidade de Olga tende muito mais para a de Stolz do que para a de Oblomov, sem contudo deixar de amá-lo. Não chegamos a ter um triângulo amoroso, mas quase. Em seu lugar surge uma sólida amizade.
O tempo passa, a vida prossegue, as coisas mudam em parte, outros personagens são introduzidos e assim vamos conhecer a bondosa viúva Agafia Mativieievna (uma verdadeira Amélia russa), que entra na vida de Oblomov, juntamente com seu estranho irmão. Este dá um golpe em Oblomov, que vai ter suas finanças ainda mais pioradas. Mas Stolz está longe agora. Chegará a tempo para socorrer o amigo descuidado? Bem, esta não é uma história construída sobre romances, golpes ou suspenses exclusivamente, está mais para um retrato da “alma russa”, de certo período da vida no país, como quer a professora de literatura e cultura russas da USP, Elena Vassina. Para ela Oblomov hoje é mais do que aquela alma: ele teria a estatura de um Hamlet, de um Dom Quixote, algo assim. Ela prossegue e assinala que o termo "oblomovismo", surgido tempos depois da publicação do romance, foi dicionarizado no país e passou a significar: "Indolência russa, preguiça, rotina, indiferença aos problemas sociais". Isso não é pouco, não?
Os capítulos finais do livro de Gontcharov são dos mais interessantes, mas como esta é uma obra extensa – são cerca de seiscentas páginas de leitura –, e isso parece ocorrer com muitos livros volumosos considerados obras-primas, há alguns trechos que ao leitor comum podem soar um pouco aborrecidos, entediantes. Mas na verdade o autor não quis nos chatear, claro, apenas acentuar com sua escrita, mais profundamente, as características de seu curioso personagem. Enfim, se Oblomov, mais do que uma alma russa, houvesse existido de fato um dia, seria necessário que tivéssemos muito do temperamento de Stolz (ou de Olga, Agafia, Zakhar) para poder estar em sua companhia por algum tempo.
Lido entre 06/06 e 07/07/2020.