Arsenio Meira 23/05/2013
Como um Mutante
Excelente o livro do Carlos Calado. Narra, com propriedade, a trajetória dos mutantes, e de tabela, a efervescência musical dos anos 60, com os festivais de música em ebulição e a formação da Tropicália, movimento liderado por Caetano, Gil e Cia, que tiveram nos Mutantes, um baita arrimo.
Em linhas gerais Calado explica bem e escreve melhor ainda.
Os Mutantes chegaram por volta de 1966 e já com dois pés à frente da turma da Jovem Guarda. Souberam ler com clareza o que acontecia no mundo musical na ocasião e, em vez de meramente copiarem ou virarem pastiche do vanguardismo inglês, optaram por apimentar aquelas modernas sonoridades com muita brasilidade. Tanto musical quanto comportamental. Além da competência instrumental bem acima da média, suas apresentações eram teatralizadas.Tinha humor, coreografias e literalmente, eles se fantasiavam no palco.
Os irmãos Arnaldo e Cláudio Baptista tinham um grupo de baile com outros 3 companheiros quando conhecerem Rita Lee.Juntos formaram o grupo O SEIS (embrionário dos Mutantes), que, logo após a entrada de Sérgio Baptista (o habilidosíssimo irmão caçula) se desintegrou, restando apenas Arnaldo,Sérgio , Rita e um baterista itinerante.Se perdeu o interesse pelos palcos, Cláudio, que era meio Prof. Pardal meio técnico em eletrônica, passou a desenvolver instrumentos,pedais e outras bugigangas para o grupo que, com efeito, ajudou à forjar o som da banda (distorções, delays, ecos e pedais de volume).
Assim, já com o nome OS MUTANTES, curiosamente sugerido por Ronnie Von, conheceram o maestro Rogério Duprat que não era besta e resolveu adota-los. Duprat, que estava começando a “emoldurar” o som da Tropicália, apresentou o conjunto a Gilberto Gil, e este, sob arranjos do maestro, utilizou a banda nas apresentações de 2 músicas no Festival da Record: BOM DIA (com Nana Caymmi) e DOMINGO NO PARQUE (com o próprio Gil) que levou a Segunda Colocação.
A presença daqueles cabeludos psicodélicos empunhando guitarras elétricas ao lado do violão de Gil e da orquestra da Record causou “frisson” e literalmente deixou o público desconcertado. Se o pessoal “cabeça” abominava instrumentos eletrônicos, por outro lado, não podia deixar de admirar o talento e a graça dos Mutantes, e assim, entre protestos e aplausos, o juri, conservador mas competente, negou-lhes o Primeiro Lugar mas carimbou com honras as apresentações da canção maravilhosa e tão brasileira de Gil.
O baterista DINHO já era fixo da banda mas constava sempre nos créditos (discos e shows) como convidado e o mesmo se deu com LIMINHA, contra-baixista, que entrou na festa, uma vez que Arnaldo vinha gravando pianos e órgãos que,obviamente, tinha de usar nos palcos.Assim os dois foram definitivamente incorporados e com essa formação, o grupo gravou o primeiro album onde entre outras, se destacaram as canções PANIS ET CIRCENSES (Caetano/Gil) e TREM FANTASMA (Mutantes-Caetano) além de MINHA MENINA (Jorge Ben).
Na mesma ocasião participaram do disco-manifesto TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENSES com Gil,Caetano, Nara Leão, Gal, Tom Zé e outros, todos sob a batuta de Duprat.Também dividiram com Caetano as vaias da platéia “cabeça” (de novo) do FIC-SP, na apresentação de É PROIBIDO PROIBIR e, com sua habitual irreverência, enquanto Caetano abria o esculacho, OS MUTANTES simplesmente, continuaram tocando… de costas.
A porrada definitiva veio no ainda careta IV Festival da MPB quando apresentaram suas duas recentes criações: DOM QUIXOTE (Mutantes), uma magistral aula de vocalização sob uma melodia incomum (parecia um mantra ou opereta) e a iconoclasta e moderna (até hoje em dia) 2001 (Rita Lee/Tom Zé). Alicerçada num acompanhamento moda-de-viola animada, com direito à canto com sotaque “bem caipira” na primeira parte e uma levada de rock na segunda parte, a letra futurista de 2001 parecia contradizer a melodia (ah mas como se harmonizavam !).
De repente a música pára e entra uma série de efeitos sonoros (coisas do brother Cláudio) voltando invertida. A parte rock vira caipira , terminando com a parte caipira em puro rock and roll. Pronto. Uma revolução em forma de som. O "novo", que sempre vem, deu o ar da graça. Definitivamente. Como um Mutante.