spoiler visualizarAlguém q lê 14/02/2024
Mistura de sentimentos não tão bons...
Que livro foi esse????
"A megera domada" foi o meu segundo livro de Shakespeare, e eu só tive vontade de lê-lo porque descobri que o filme "Dez coisas que eu odeio em você" é uma adaptação desse livro. Até então não tinha lido nenhuma resenha sobre ele, resolvi ler assim do nada.
Mas eu não recomendo fazer a mesma coisa que eu. Se eu soubesse que o livro não tem desenvolvimento do romance entre Catarina e Petrúquio acho que nem me atreveria a ler porque a graça do filme está na ideia dos dois se apaixonando.
E isso foi totalmente diferente no livro. Catarina é contra seu casamento com Petrúquio, mas, seu pai, que está doido para ficar livre dela, faz ela casar com Petrúquio (que só se enfiou nessa porque a família da moça tem dinheiro). Não tem nada de legal nessa relação porque uma das únicas cenas que os dois tem juntos antes do casamento se resume a eles se xingando e só.
Eu senti que as coisas aconteceram muito rápido nesse livro, o que até faz sentido porque essa história é pensada para ser uma peça de teatro. Mas mesmo assim, acho que tudo acabou sendo uma correria exagerada e, para mim, sem graça nenhuma. E essa correria resultou em alguns furos bem graves na história. Um exemplo foi quando no final do livro, o Hortensio se casou com uma viúva qualquer aí que nunca havia aparecido na história. Parece que ela só apareceu para que a cena final acontecesse e que o autor tivesse duas personagens femininas que ilustrassem as diferenças de seus comportamentos para o comportamento de Catarina após ela ser "domada".
Essa peça tem o intuito de ser uma comédia, porém ela é uma daquelas história que envelheceu como leite. Para a época, eu até entendo isso aqui ser aceito, mas hoje em dia ler algo assim é quase doloroso. Eu falo isso porque as coisas que acontecem e são ditas nessa história são muito preconceituosas. A relação que Petrúquio tem com seus criados (o coitado do Grúmio levou um tapa só porque ele se confundiu), e a relação dele com a Catarina são a forma mais pura de uma hierarquia ridícula e preconceituosa que era considerada normal na época.
A história toda tem um ponto principal: a necessidade de uma mulher obediente, quase que uma serva para o seu marido. Vou pegar as duas irmãs como exemplo: ambas são descritas como muito bonitas, mas somente uma é desejada por todos os homens, a Bianca. Porque só ela é vista como uma mulher boa para casar, por sua doçura e obediência às outras pessoas.
Agora, sobre a Catarina e Petruquio. Que relação horrível e tóxica! E sim, eu tenho consciência que esse livro tem muito mais do que 200 anos e por isso as situações retratadas aqui são desse jeito, mas mesmo que eu fizesse um esforço muito grande, as coisas eram tão absurdas que simplesmente não consegui relevar. Para vocês terem uma ideia, Petruquio com o objetivo de "domar" Catarina, a deixa passar fome, a faz passar por várias situações estressantes e parece tentar faze-la se tornar um cachorro que só obedece o dono porque morre de medo de levar uns tapas dele.
O final para mim é uma das piores coisas que eu já li na minha vida. Os homens se juntam e fazem uma aposta para ver qual esposa é mais obediente, o teste seria mandar chamar as esposas para onde os homens estavam para ver quem iria só porque o marido estava mandando chamar (sem motivo nenhum). Só a Catarina foi, as outras responderam que estavam ocupadas e que como não era nada de muita importância, os maridos que fossem até elas. Ai depois a Catarina busca elas e as leva até os homens. E ainda por cima dá um discurso sobre qual o papel da mulher na relação, comparando tudo com uma relação entre um senhor e seu servo, ela fala: "O marido é teu senhor, tua vida, teu protetor, teu chefe e soberano. É quem cuida de ti, e, para manter-te, submete seu corpo a trabalho penoso seja em terra ou no mar. Sofrendo a tempestade à noite, de dia o frio, enquanto dormes no teu leito morno, salva e segura, segura e salva. E não exige de ti outro tributo senão amor, beleza, sincera obediência. Pagamento reduzido demais para tão grande esforço." Acho que só com esse trecho já da para compreender meu ponto, certo?
Novamente, queria deixar claro que, eu entendo completamente o contexto histórico desse livro. Essa peça, escrita por um homem, falando sobre o papel da mulher na relação, em uma época ode as mulheres quase não tinham direitos podia ser até bem pior do que isso aqui. Mas, assim como Shakespeare estava pensando de acordo com os ensinamentos de sua época, eu também tenho pensamentos que são frutos da época em que vivo, e por isso, não consigo apagar toda opinião que tenho e começar a enxergar o mundo como uma pessoa do século XVI enquanto lia esse livro.
Sobre a construção de personagens e da trama, achei a história em si fraca, os personagens não foram bem desenvolvidos (a personalidade de cada um aqui, parecia ser descrita como um sentimento. Exemplo: Catarina -> teimosa) e tudo que acontecia era muito corrido, tipo, do nada Petruquio achou o pai do Lucencio, o levou pro casamento e deu aquela confusão toda. Eu tive a impressão que a história foi escrita de trás para frente. Me pareceu que o autor teve a ideia de fazer um grande de discurso sobre o papel da mulher no final do livro e foi criando as situações sem dar muita atenção ao aprofundamento dos personagens porque o intuito dele não era o todo, mas sim uma só mensagem. Na minha cabeça ficou algo parecido com a torre de Pisa, com os primeiros andares retos e bem estruturados (que seria o começo de seu pensamento, a ideia que a história queria passar) e o resto tudo torto (que seria o meio da história, com umas coisas muito nada a ver).
Agora, para finalizar minha resenha, queria falar que acho que a única coisa boa que essa peça me fez pensar foi no quanto a nossa sociedade evoluiu. E me deu um pouquinho mais de esperança, porque me fez acreditar que se nós deixamos de considerar esse tipo de pensamento normal, então ainda é possível termos uma sociedade melhor lá no futuro.