Horses

Horses Agnaldo de Assis Nascimento




Resenhas - Horses


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Krishnamurti 02/11/2019

Rebeldes completamente sem rumo - RESENHA QUE ESCREVI. PENSO QUE PODE SUSCITAR ALGUMAS REFLEXÕES POSITIVAS...
Em literatura o precursor da mito da juventude rebelde parece ter sido “O apanhador no campo de centeio”. Publicado em 1951 por J. D. Salinger (1919-2010) o livro narra um fim-de-semana na vida de Holden Caulfield, um jovem de dezessete anos vindo de uma família de classe média alta de Nova York. Holden Caulfield é um adolescente mal humorado que não vê sentido em nada do que é obrigado a fazer e está sempre reclamando de tudo e de todos. Depois de ser expulso da escola ele faz suas malas e decide dar umas voltas pela cidade antes de chegar a hora de ir para casa e ter que enfrentar os pais.

O livro fez um sucesso estrondoso nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos, (o que valia a pena dizer no mundo), e acabou por se tornar o mito da juventude rebelde  —  seu protagonista contesta os mais velhos e não quer se tornar como eles, a quem considera farsantes. Toda a sua luta é para preservar os valores que ele acha verdadeiros e sinceros. Antes de “O Apanhador”, simplesmente não existia esta coisa que hoje conhecemos como “cultura jovem” e ao lançar mão de gírias, expressões e referências chulas, Salinger colocou em seu personagem de forma realista e convincente, tudo o que se passa na cabeça de um rapaz de 17 anos de uma maneira que não havia sido vista antes, com liberdade de estilo, inteligência e um raro sentimento de proximidade com o universo jovem.

Em vários outros momentos, e por outras circunstâncias históricas e emblemáticas mais recentes, grupos de jovens foram reconhecidos por envolverem-se em movimentos de vanguarda na música, literatura, política, luta por cidadania, etc., pois representavam os anseios de sua época. O ímpeto, a ousadia e o vigor do fim da puberdade conspiraram contra regimes autoritários, códigos legais e mesmo guerras sangrentas. Os que viveram sua juventude nas décadas de 1950 e 1960 do século XX não fugiram a regra. Mas para o senso comum, e mais precisamente para o tal do inconsciente coletivo, entretanto, seus feitos e personagens entraram para a rubrica dos “rebeldes sem causa”. De lá para cá muita água rolou por de baixo da ponte, sobretudo água podre.

A bolinha de barro em que nos despedaçamos continuou a girar, vieram as décadas de 60 e 70, e os jovens de várias partes do mundo iniciaram uma fase conhecida por movimento de Contracultura. Aproveitando as mudanças pelas quais a humanidade estava passando, como a descolonização da África e da Ásia e, principalmente, a explosão de maio de 1968, em Paris, a juventude mundial inaugurou uma era de rebeldia e de desapego material. Como Contracultura, entendia-se uma profunda crítica ao sistema capitalista e aos padrões de consumo desenfreado. Os jovens contestavam os valores morais e estéticos da sociedade global e promoviam revoluções em seus modos de vestir. Também houve, lógico, a contestação política, (contra ditaduras e etc.), que acabou ultrapassando em muito o marco da política para se transformar em revolução dos costumes. Sim, a humanidade já vivenciou a explosão das formas de comportamento, a erosão da família tradicional, a inversão dos papéis pertinentes aos gêneros, e à sexualidade e finalmente, as normas de regulação ética foram para o espaço. E chegamos afinal ao samba do crioulo doido da atualidade.

Aqui e agora, em pleno Brasil do século XXI encontramos a obra “Horses”, de autoria do senhor Agnaldo de Assis Nascimento que, como a orelha da obra nos informa, é também, jornalista, estudante de Letras, vocalista e guitarrista de uma banda. Muito bem; o romance chama a atenção por ser um alentado volume de 426 páginas. Sobre ele, Alexandre Rabelo escreve que é uma espécie de “epopeia de punk art, um carrossel narrativo formado de vozes de garotas e garotos suburbanos, cada qual com uma história familiar um tanto sombria”. Sombria? Os personagens de “Horses”, com certeza fariam corar o adolescentezinho de “O apanhador no campo de centeio”.

O romance se inaugura com a “Introdução – ou antes que os cavalos” uma compilação de trechos de uma espécie de diário, assinado por um tal Bruno A.C. em que acima de tudo paira uma dúvida atroz sobre que rumos dará em sua vida.

Embarquemos no carrossel narrativo. “Parte um – fúria calma”. Estendendo-se por nada menos que 67 páginas acompanhamos basicamente a história do Menino Helter (o texto refere nas páginas iniciais que o garoto tem 7 anos). Breve histórico do guri: A mãe morreu de câncer, o pai não se mostra preocupado com a sorte dos filhos, a irmãzinha se prostitui e pratica sexo oral com um vizinho tarado para poder alimentar a si e ao irmão, e para arrematar o currículo familiar, o pai cobre o menino de porradas e surras memoráveis. Mas Helter não é uma ilha, tem lá uma patota que anda com ele, um bando de rebeldes “tipo assim” – expressão muito utilizada no livro -, sem eira nem beira, e todos sem um tostão no bolso, a tentar fazer música, fumar maconha e fugir da polícia. Uma turma underground. Ao final dessa parte, Helter ainda menor de idade , mas dono de um RG falsificado, acaba indo parar dentro de uma boate onde conhece dois sujeitos.Um músico e o outro o porteiro da boate, os dois são irmãos e, compadecidos da sorte do garoto que acabara de ser espancado pelo pai, convidam-no para ir morar com eles em um pardieiro. (Helter aí já está com 17 para 18 anos) como num passe de mágica. Um dos irmãos é uma verdadeira máquina de leitura. E tome-lhe citações e referências literárias a torto e direito. E tome-lhe mistura de referências artísticas, que o leitor fica com a impressão de estar num carrossel onde se repetem cenas de nosso cotidiano conturbado, violento e sem sentido, muito embora, aqui e ali,se perceba uma sincera busca por questionamentos existenciais que partem mais da voz narrativa do que dos personagens propriamente ditos.

A narrativa de “Horses” segue até o desfecho constantemente enveredando por deslocamentos narrativos que subvertem os conceitos mais tradicionais do gênero. Tal experimentação, procurando estabelecer uma relação de mediação entre a realidade social concreta e a ficcional acaba por criar um texto que parece-nos dissonante (no sentido de que destoa) da sequência lógica. Em suma, contribui em boa medida para arrefecer o interesse do leitor que se vê perdido em um caldeirão de referências e detalhes. Parece-nos que o autor ao buscar novas maneiras de pensar o modo narrativo, seguiu direcionando o texto para uma fragmentação que se funde a mecanismos e recursos expressivos ligados ao texto dramático e ao cinema, às vezes até com pitadas de um humor sarcástico, que fraturam constructos espaciais e temporais. No conjunto, ao potencializar descontinuidades e rupturas, tal estratégia acaba também por convergir para as tendências bem constantes na atual literatura brasileira contemporânea como sejam o já citado experimentalismo formal, (com destaque para um fluxo de consciência e/ou monólogo interior), o engajamento social, a mistura de tendências estéticas e como não poderia deixar de faltar, a reprodução da violência que é o que parece que restou aos jovens hoje.

O que move hoje a rebeldia da juventude (suburbana ou não)? Ela não tem um alvo de negação definido. A despolitização do espaço publico privou a todos da capacidade de contestar, por exemplo, os valores do capitalismo globalizado. O que Marx designava como fetiche da mercadoria tornou-se uma força onipresente no mundo. Tudo se configura no reino da mercadoria. Desde um simples tênis de marca, passando por celulares de última geração, computadores e até automóveis de luxo. Estamos vivendo o tempo do pós-fé, pós-ideia de vida eterna, pós-esperança. O aqui e agora valoriza cada vez mais a instantaneidade, é a ausência de causas, de objetivos, de ideais. O carpe diem é a nossa eternidade, esse moto-perpétuo da busca de gozos e prazeres que fode a cabeça de todo mundo.

E esse estado de coisas não afeta somente a juventude. Ninguém se rebela mais – e positivamente -, contra as afrontas a nossos direitos humanos que são todos os dias espezinhados pelo tipo de capitalismo safado estabelecido no Brasil. Qual a nossa percepção ética e existencial dentro de natureza técnica e instrumental que domina nossa civilização – ou melhor seria dizer tribo(s)? Estou pensando na ditadura do politicamente correto que se estabeleceu, nos militantes enclausurados em sues próprios guetos, no horror heterossexual que ameaça se impor, no fascismo de carteirinha e outras tantas que o livro também aborda.

Vivemos em cidades desumanas cujo funcionamento está dirigido para a supremacia do dinheiro com o aval da mídia, expressão dos valores que movem a ação e a consciência alienada do presente, e satura nossas fantasias de consumo com uma parafernália de símbolos de aquisição que, no limite, reduzem nossa humanidade a máquinas degradáveis e descartáveis.

Começamos falando de “O apanhador no campo de centeio”, terminemos por ele. O título vem de uma canção que em um dos versos fala sobre crianças correndo em um campo de centeio. Em uma conversa entre o protagonista e sua irmã, ela pergunta o que ele gostaria de ser — já que ele não gosta de nada — e ele responde que gostaria de ser o apanhador no campo de centeio, aquele que apanha as crianças antes que elas corram em direção ao precipício. Os personagens de “Horses” jovens do “pós-tudo”, deserdados da sorte de possuírem dinheiro e/ou família, vivem entre Instagrans cheios de sorrisos e flashes e poses com copos na mão e luzes de pista de dança ao fundo (p.268). Interiormente, vivem o desespero de não ter em mãos um fiapo de vida (p.388), de expectativa de futuro. São jovens entregues à própria sorte, não têm sequer quem os acolha na metáfora de orientação e amparo, antes que sigam rumo ao precipício que vai se afigurando o próprio viver. É disso que nos fala, com suas cores fortes, com seus acordes agudos e linguagem veemente, este romance.

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Livro: “Horses” – Romance, de Agnaldo de Assis Nascimento – Editora Penalux, Guaratinguetá - São Paulo - SP , 2019, 426 p.
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