Lethycia Dias 02/02/2021Interessante, porém deixou a desejar"De amor e de sombra" acompanha o amor que nasce entre Irene e Francisco enquanto investigam juntos o desaparecimento de uma adolescente chamada Evangelina Ranquileo, conhecida na região em que vivia por produzir fenômenos paranormais. Irene, filha de uma família rica em decadência, deixa um mundo de conforto despreocupado para conhecer o de Francisco, filho de imigrantes espanhóis que colabora com grupos resistentes à ditadura militar do Chile.
A trama demora um pouco para se desenrolar, nos apresentando às famílias de Irene, de Evangelina e de Francisco, uma por vez. Embora a apresentação tenha sido importante, é recheada de acontecimentos pitorescos que fazem parte do estilo de Allende mas que me cansaram um pouco. A abertura do livro, que inclui os pensamentos dos idosos de quem Irene e sua mãe cuidam em uma espécie de "asilo de luxo", é bem estranha. Bastante tempo se passa até que Irene e Francisco se conheçam e realmente investiguem o caso de Evangelina, mas da forma como as coisas são apresentadas, fica evidente quem são os responsáveis.
Essa parte foi a que me deixou mais envolvida na trama, porque eu ainda estava interessada em saber onde Evangelina estaria, e se viva ou morta. Mas a trama da investigação evolui para um escândalo que abala o domínio dos militares sobre o poder no Chile de forma bem apressada, e isso acontece como um final de novela, em que temos a certeza de que os vilões serão punidos - certeza dada pelo próprio texto, que parece perder a força do início, correndo para um final razoavelmente feliz. Claro que eu queria ver os vilões punidos e os protagonistas a salvo, mas toda a parte final é bem caricata.
Fiz uma leitura lenta, e não gostei de algumas intervenções que Isabel Allende faz inserindo fluxo de consciência de alguns personagens. Adoro essa técnica, mas os momentos em que ela foi usada foram inadequados, e seu uso me pareceu uma forma de apressar a narrativa ao invés de aprofundar na mente dos personagens. Algumas coisas nessa história envelheceram mal, como a narração em detalhes da relação de Evangelina com seu irmão Pradélio, dada apenas pelo ponto de vista dele, que me pareceu uma violência ainda maior do aquela que era investigada.
O curioso - e assustador - desse livro foi observar como algumas falas e pensamentos de personagens que apoiavam o regime ditatorial no Chile dos anos 70 são parecidos com os de pessoas conservadoras no Brasil dos dias de hoje. A necessidade de "livrar o país de comunistas"; as justificativas para a violência do Estado como algo "inevitável para que as coisas melhorem"; o horror das pessoas privilegiadas de ver gente pobre adquirindo bens e tendo vida digna; e as teorias da conspiração paranoicas são exatamente iguais.
Foi uma leitura interessante, mas um pouco cansativa, e com certeza poderia ter sido melhor se eu não tivesse criado muita expectativa.
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