Nando 18/03/2011
Encontro e Interação (Fernando Lago)
Aula de português – encontro interação, de Irandé Antunes, é um livro dedicado especificamente aos professores, como deixa claro logo no início a autora, doutora em Linguística pela Universidade de Lisboa e professora da Universidade Federal do Ceará.
Longe de considerá-los como responsáveis exclusivos pelos problemas da educação, Antunes estimula os professores à luta pela mudança, apresenta alguns avanços já verificados e, como não se pode dar ao luxo de dispensar, evidencia algumas implicações que ainda resistem na prática docente, mesmo diante de algumas novas possibilidades surgidas no âmbito das políticas públicas. O trabalho centra-se em quatro elementos essenciais no estudo da linguagem, a oralidade, a leitura, a escrita e a gramática.
No primeiro capítulo Antunes faz uma análise a situação atual. Embora reconheça que fatores exteriores à escola implicam nos problemas com relação ao aprendizado, lembra-nos que já existem alguns avanços relacionados ao estudo e à percepção da Língua Portuguesa, tanto no sentido das políticas públicas quanto nos critérios de avaliação das provas e exames oficiais. Assim, a autora cita os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que já privilegiam “a dimensão interacional e discursiva da língua” e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) que transcendem as definições e classificações gramaticais contemplando, nos seus descritores, um conjunto de habilidades e competências avaliadas através de textos de diferentes tipos, gêneros e funções. Assim, afirma, já não se pode culpar unicamente as políticas públicas pela maneira com que se trabalha a língua portuguesa na escola.
Ainda no primeiro capítulo, Antunes traz um pequeno esboço dos principais equívocos relacionados aos quatro elementos que citamos acima. Na oralidade, a autora aponta o descaso com relação à fala, como se esta não estivesse ligada ao estudo da língua ou vice e versa, como se na fala fossem permitidos todos os tipos de erros, não distinguindo situações de usos mais ou menos formais da oralidade. Com relação à escrita, Irandé nos apresenta equívocos relacionados ao não reconhecimento da interferência decisiva dos sujeitos na sua produção; a prática de escrita mecanizada, artificial, centrada nas regras e embasada em exercícios descontextualizados, como formar frases isoladas, sem função social e vazias de sentido, criando um abismo entre a língua do aluno e a “língua da escola”. No trabalho com a leitura a autora afirma que as escolas ainda se centram nas habilidades de decodificação da escrita, sem contemplar a dimensão interacional da língua, uma leitura desvinculada dos diferentes usos sociais que dela se pode (e deve) fazer. Sobre a gramática a autora explica que há vários equívocos quanto à maneira como ela é trabalhada na escola: fragmentada, descontextualizada, desvinculada com a realidade da língua escrita e falada, trabalhada através de frases soltas e sem sentido, apoiada apenas em regras e definições, inflexível, engessada, sem considerar os usos reais da língua – oral e escrita – e o processo de mudança por que ela passa.
É, então, a partir destes limites e equívocos que Irandé baseia seu trabalho para fundamentar elementos que contribuem na construção de novas formas de enxergar a língua portuguesa e de desenvolver o trabalho no ensino desta. Assim, no segundo capítulo, ela apresenta princípios teóricos que possam cumprir esta função.
Segundo Antunes, toda atividade de ensino de língua baseia-se em uma determinada concepção, ou seja, um conjunto de princípios teóricos a partir dos quais se percebe os fenômenos lingüísticos. Há duas tendências sob as quais tem sido pautada a percepção da língua. A primeira limitando-se ao conjunto abstrato dos símbolos e das regras, sem vínculo com as condições de usos reais da língua; a segunda pautando-se na linguagem como atuação social, enquanto atividade de interação entre sujeitos e, portanto, ligado a situações reais, concretas e diversificadas. É, pois, nesta segunda concepção que se embasam os princípios teóricos que a autora apresenta para cada elemento: oralidade, escrita, leitura e gramática. Essa concepção, afirma, possibilita enxergar a linguagem com mais amplitude, como atitude social, longe das concepções engessadas e embasadas apenas nas regras inflexíveis, que nem sempre levam o sujeito a algum lugar.
Com relação à escrita a maior preocupação da autora é a sua afirmação como elemento comunicativo entre sujeitos. A escrita não pode ser compreendida apenas como ferramenta avaliativa, mas toda a atividade escrita deve direcionar-se, deve dizer algo a alguém. Ressalta também a variação de formas e gêneros existente na escrita, dependendo de que ou a quem se destina. São também abordadas as condições para produção da escrita e as diferenças com relação à fala, além de apresentar-nos as diferentes etapas pelas quais se deve passar na elaboração de um texto escrito. Como questões pedagógicas, a autora apresenta as necessidades de propor textos que sejam de autoria dos alunos, vinculados comunicativamente, socialmente relevantes, diversificados, com destino (a quem escrever? Pra que?), contextualizados, coerentes, tecnicamente adequados.
Quanto à leitura, Antunes a apresenta como ferramenta de interação verbal escrita, atividade de acesso ao conhecimento, necessária para a aquisição de novos saberes e de aprendizado formal da língua. Ressalta a necessidade de se trabalhar o contexto extralinguístico do texto, ou seja, compreendê-lo a partir de elementos externos, conhecimentos prévios, estimulados por uma ou mais palavras nele contidas. Nas implicações pedagógicas a autora expõe a necessidade de se promover leitura de textos autênticos e reais (revistas, jornais, panfletos, livros, cartazes etc.); que o texto seja interativo, um encontro entre quem lê e quem escreve, atividades que vinculam leitura e escrita, pois há uma relação de interdependência entre elas. Ressalta-se também a necessidade de compreender as diversidades de gêneros literários, o trabalho com a coerência global do texto e a importância de reconhecer que cada texto, por mais inocente que pareça, é regido por uma concepção de mundo.
No que diz respeito à gramática, Irandé busca desconstruir o mito de que a gramática é o conjunto de regras estáticas e inflexíveis que regem apenas a linguagem escrita formal. Apresenta-nos a gramática como regras que especificam o funcionamento de uma língua no sentido geral, seja escrita ou falada. Dessa forma, nenhuma manifestação de linguagem existe sem gramática, sem normas, mesmo que, no ponto de vista da língua formal, seja considerada errada. A gramática existe em função da maneira como as pessoas se expressam e não o contrário, como se pensa; é um conjunto de regras que visam à compreensão de textos escritos e falados e, em geral, diversifica-se de acordo com a região geográfica. Como implicações pedagógicas a autoria recomenda que no trabalho com a gramática observe-se a relevância, utilidade e aplicação para os alunos das regras e definições trabalhadas na escola, uma gramática que observe a funcionalidade da língua, partindo de textos e fatos reais das manifestações lingüísticas; contextualizada e interessante, instigante ao aluno, flexível com relação às diversidades da linguagem.
A oralidade é apresentada neste livro como uma manifestação tão importante quanto a leitura e a escrita. Para a autora, não há oposição entre oralidade e escrita, estão intimamente relacionadas, embora possuam suas particularidades. Desta forma, Antunes manifesta em todo esse trabalho a preocupação em compreender a oralidade como um texto também elaborado e que, como tal, tem sua variedade de gênero, suas especificidades de público e suas diferenças de uso em situações formais e informais. Como recomendações pedagógicas, manifesta a importância da coerência a partir do tema em que se desenvolve o texto oral, dos tópicos e subtópicos da interação, recursos que mantém o encadeamento do texto, das diferenças entre escrita e oralidade, da diversidade de gêneros textuais nela também existentes, enfim, que se trabalhe a oralidade visando a interação e o convívio social entre os sujeitos, desenvolvendo também a capacidade de ouvir.
No terceiro capítulo Irandé Antunes retorna estes princípios pedagógicos a fim de fornecer ao professor elementos que ajudem na construção do ensino de língua portuguesa a partir desta concepção interacionista da linguagem. Assim ela contribui com sugestão de atividades e metodologias que visem essa concepção, enfocando-se em cada especificidade trabalhada para oralidade, leitura, escrita e gramática. No capítulo 4, volta-se os olhos para a avaliação que, admitindo-se uma concepção interacionista da linguagem, deve também ser encarada diferentemente das concepções avaliativas reinantes. Para ela, não se trata de uma questão técnica, mas sim de concepção. Neste sentido, a avaliação não deve ser apenas um processo para detectar erros e reprovar os incapazes de assimilar as normas da gramática, mas deve avaliar o processo de aprendizado a partir da compreensão da língua como objeto de comunicação entre os sujeitos e da necessidade de os educandos assim compreendê-la, bem como desenvolver competências para aplicá-la em situações reais.
Por fim, nos dois últimos capítulos, a título de conclusão, a autora ressalta a necessidade de o professor assumir a autonomia de seu trabalho pedagógico em língua portuguesa, assumir-se como especialista em língua portuguesa e ter segurança na sua ação docente, para avançar para além das concepções antigas da língua engessada, monótona e cheia de regras. Um ensino da língua que tenha sentido e significado para os alunos, porque é a sua língua e não a língua exclusiva da escola.
Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação Campus X - Teixeira de Freitas. Março de 2011. Produzido para fins acadêmicos.