Flávia Menezes 26/06/2021
Às vezes, tudo de que um personagem precisa, é de alguém que sente, e os escute com muita empatia.
No próximo mês de julho, essa história completará 70 anos desde a sua publicação. The Catcher in the Rye (em português, O Apanhador no Campo de Centeio) de J.D. Salinger é um clássico da literatura norte-americana, uma vez que foi uma obra bastante inovadora ao introduzir o assunto da adolescência, além de tópicos que eram considerados tabus para a época como a homossexualidade, alienação, identidade, depressão, com uma boa crítica à superficialidade da sociedade.
Eu não conhecia absolutamente nada sobre a história, e tudo o que li sobre, antes de iniciar a leitura, foram algumas resenhas aqui do Skoob. Algumas resenhas traziam fortes críticas às atitudes imaturas do protagonista, que vale a pena aqui lembrar, tinha apenas 16 anos, além de menções de ausência de empatia pelos personagens, e até mesmo pela história.
Tenho que lhe dizer que, comigo aconteceu exatamente o contrário: eu fiquei imensamente interessada em tudo o que Holden Caulfield tinha para me contar. A obra é narrada em primeira pessoa, e a trama descreve um final de semana decisivo na vida do protagonista, com alguns flashbacks muito bem colocados, e com uma linguagem algumas vezes bem adolescente, com suas gírias e tudo mais, mas sem dúvida, que flui com muita facilidade.
Logo no começo da história, toda a raiva e rebeldia do personagem me chamaram muita atenção, e eu queria saber mais sobre o que havia por trás desse comportamento irritadiço, e sempre tão desinteressado com tudo o que acontecia ao seu redor. Especialmente no que dizia das relações de amizades, com outros garotos da mesma idade que ele, que frequentavam a mesma escola. Quer saber se a minha pergunta foi respondida: sem dúvida que foi!
O relato do jovem Caulfield vai ficando a cada vez mais intenso, mais emotivo e mais honesto. E o mais lindo disso tudo é que em nenhum momento parece vir de um homem adulto. Ao contrário. Em todos os momentos, em sua narrativa, ou em seus diálogos com outros personagens, vemos um jovem adolescente. Claro. Talvez um pouco mais maduro, já que estamos falando de 70 anos atrás, e as responsabilidades dos jovens naquela época, eram um pouco diferentes das que encontrarmos nos jovens da atualidade.
Mas mesmo assim, era um jovem com seus hormônios aflorados, sua irritabilidade de quem busca um caminho para a definição da sua identidade em um mundo de pessoas abastadas, superficiais, e de muitas cobranças, e pouco amor. Em algumas partes, eu fiquei extremamente tocada com a dor do personagem, que ao seu jeito, trazia com muita verdade a sua história e as suas cicatrizes.
Para ler uma história como essa, é preciso muita sensibilidade, pois é como se você estivesse diante de um amigo que vai se abrindo com você com muita coragem, e sem esconder nenhum detalhe. Foi assim que eu me senti diante do relato do jovem Holden Caulfield. E dizer que ele não passa de um garoto rico, mimado e inconsequente, preciso ser honesta aqui, é não ter empatia nenhuma por uma pessoa em um momento de grande dor. Dor por uma perda de uma pessoa que ele muito amava. Dor por ter que ir para uma escola que o afasta do convívio com a família. Dor pelo medo de crescer. Dor por se sentir insuficiente, não inteligente o bastante, e indeciso com o que quer fazer com o resto da sua vida. Pobre Holden. Tudo o que ele consegue pensar é que resto da vida é esse, que alguém que ele tanto amava e tanto admirava, não teve a oportunidade de experimentar?
Talvez, se em nossas escolas pudéssemos ter mais leituras como essas, se pudéssemos fazer com que os nossos adolescentes ousassem em escrever mais sobre a sua vida como o jovem Holden fez, quem sabe os ajudaríamos a compreender mais as suas próprias emoções? Hoje, nesse mundo tecnológico em que vivemos, tudo é tão superficial, tão fake, tão sucinto no que dizemos, que é muito difícil sentirmos abertura para sermos tão honestos sobre o que sentimos como o jovem Holden Caulfield fez comigo, nessa leitura intensa, mas também, tão necessária.
Se você tiver tempo, e quiser exercitar a empatia, então eu te convido a ler essa história. Basta encontrar um lugar bem confortável, se sentar, e convidar o jovem Holden Caulfield para entrar, e lhe contar a sua história. Você vai se surpreender em como alguém tão jovem pode ter tamanha honestidade para lhe contar coisas tão difíceis de se dizer a outro alguém.