livrodebolso 14/10/2019
Com características autobiográficas, a autora explora o casamento e a separação no século XIX. Publicado apenas no século seguinte, o livro se passa bastante tempo antes, e se preocupa em deixar clara a opinião de Wharton sobre a sociedade aristocrata na qual viveu em sua juventude. Moldado através da experiência com sua própria separação, o livro é realista e desagradável no que se diz respeito ao tratamento que a família e amigos dão à Condessa "pobre Ellen", como a apelidaram, por conta justamente de sua decisão para com seu casamento.
Em contraponto, acompanhamos o noivado de Newland Archer, o protagonista, que se vê enlaçado com a jovem May, por quem sente certa simpatia, mas nem de perto lhe desperta o mesmo sentimento que a outra; sendo elas primas e Newland advogado, é dado-lhe o processo de desunião, e a proximidade é inevitável.
Os acontecimentos relatados servem de impedimento ao romance, e Newland de fato se casa com May, enquanto Ellen segue sua vida mal falada e com pouco apoio familiar.
Por trás do enredo básico, há uma aposta da autora em explorar o que existe de podre dentro das pequenas sociedades, suas preocupações fúteis e o apreço pela discrição, antes mesmo da felicidade pessoal de cada um: Newland não foi capaz de deixar May para ir atrás de quem ele realmente amava, May preocupou-se demais com seus vestidos e aparência, para perceber alguma malícia nas relações de seu marido e prima, assim como o restante dos personagens, e mesmo Ellen abriu mão do seu desejo, pedindo para que Archer se casasse com sua prima evitando mais um escândalo. Esse é o retrato da Nova York tão desprezada por uma Edith Wharton indignada. Ao final, até nota-se certa esperança nas "gerações futuras", quando um já idoso Newland é ajudado por seu filho a reencontrar a Condessa.
A narrativa é fluída e bem feita, uma escrita delicada mas afiada, e a ironia do título é bastante clara: precisava-se preservar a inocência, e fechar os olhos para coisas significativas, subistituindo-as pelas irrelevantes. Não sei quantas gerações futuras eu represento, mas não noto grande diferença nesta pequena sociedade que me cerca.
Resenha comparativa #ORetratodeumaSenhora & #AÉpocadaInocência: ambos escritos por autores americanos criticando o comportamento europeu, os livros são parecidos e complementares.
Foi ao acaso que escolhi tais leituras e de repente, me vi obcecada pela relação Wharton-James, que se correspondiam e mantinham cara amizade.
Nas obras, o conflito entre o Velho e o Novo Mundo é apresentado através dos costumes, do cotidiano. Wharton narra sobre a européia Condessa que foge do julgamento de sua nação e se encontra em pior situação na alta sociedade novaiorquina; James, por sua vez, cria esteriótipos para o que é um americano tradicional (Caspar Goodwood), um americano que se comporta como europeu (Lord Warburton) e um americano que esqueceu-se de sua pátria (Gilbert Osmond). Em paralelo, as questões de gênero, sobretudo da perspectiva feminina, nos aponta quão machista era o período: a Condessa Ellen Olenska torna-se "poor Ellen" ao tomar uma decisão contra seu marido; Isabel Archer, manipulada e coagida, escolhe mal o seu cônjuge e sofre por toda a vida as consequências. Pode-se imaginar, inclusive, que o livro de Wharton é a sequência do de James, considerando a separação de Isabel através da de Ellen, e o que aconteceria a ela se voltasse para os EUA: ela seria terrivelmente julgada, apesar de sua infelicidade.
Os homens gentis também demonstram certa carga negativa nas duas obras: Ralph (de RduS), por mais clemente tenha-se mostrado, interferiu na vida de sua prima causando-lhe seu futuro infortúnio; Newland (de AÉdI) que cuidaria legalmente da separação da Condessa, foi incapaz de causar escândalo em sua família, optando por casar-se com a prima de sua amada, de quem estava noivo, mantendo os bons costumes antes de seus interesses pessoais.
A correlação nos demonstra o desprezo entre as duas culturas, e a sua luta pela semelhança; comportar-se de maneira correta era o que mais importava, mesmo que o conceito de certo e errado fosse ditado por um sistema falho. As duas mulheres retratadas procuram lutar contra a ordem imposta: Isabel insiste em sua liberdade, e Ellen empenha-se em tomar a decisão por sua própria conta.