O Livro Preciso 21/03/2021
A crise existencial é atemporal
É fácil enxergar algumas influências na obra: É como uma continuação do Paraíso Perdido de John Milton; Lúcifer conduz o protagonista, assim como Virgílio em A Divina Comédia de Dante; e o início é semelhante ao prólogo de Fausto de Goethe, em que os Arcanjos louvam a Deus, menos Mefistófeles (Lúcifer).
O que mais me espanta é a atualidade dos temas trabalhados. Muitos quando se deparam com a morte e o vazio existencial que ela proporciona não conseguem suportar e recorrem a um ressentimento à vida ou utilizam a religião como uma forma de escape: aceitam a morte sob a condição de que depois haverá uma existência melhor. Caim representa os primeiros, enquanto Abel representa os últimos. É o confronto entre essas duas ideias, representadas pelo clássico conflito entre ciência e religião, que causam o primeiro homicídio.
Ao longo da obra Caim discorre bastante sobre preferir estar morto, em perfeita consonância com o humor das gerações mais novas que não enxergam a possibilidade de um futuro feliz em um mundo em que as estruturas dominantes permaneçam no poder. Nesse sentido, Caim é atual como nunca: ele nega o status quo, no qual enxerga um Deus tirano, que impõe a ele uma condição indigna de existência. E sofre por isso. A diferença é que ele não faz tik toks e nem usa do humor para lidar com a situação, ele se afoga na crise ? como muitos o fazem.
Outra questão atualíssima é a tristeza que o protagonista sente em pagar pelos pecados de seus pais, Adão e Eva. Caim toca no âmago da questão: porque Deus o pune por um pecado que não cometeu, principalmente se esse pecado só traz dor sofrimento? Na visão do personagem, o simples fato de possuir domínio sobre a ciência já seria o suficiente para pagar os seus pecados.
E como não se identificar? Nossa existência é atravessada pelo mundo estabelecido antes de nós, e, apesar de não termos escolha alguma em sua construção, temos que obedecer a ordem estabelecida ou seremos eternamente julgados.
Ao mesmo tempo Caim sente um saudosismo por algo que nunca viveu, uma espécie de obsessão por ?anos dourados?, tema central do filme ?Uma Noite em Paris?. O fato de viver ao lado do Paraíso e não poder entrar ? ?tão perto, mas tão longe? ? somado com as histórias que os outros seres contam sobre o local, causa ainda mais sofrimento. Ele vive frente ao inalcançável, em frente aquilo que lhe foi privado antes mesmo de nascer: O Paraíso.
Todas essas questões, e outras, são levantadas e causam ressentimento em Caim, que, ao ser pressionado pelo irmão a participar de uma oferenda envolta pela morte de um ser inocente, desagua tudo em um golpe fatal, colocando-o cara a cara com a Morte, conceito pelo qual ele nutre sentimentos dúbios: preferiria que a mãe houvesse escolhido o fruto da vida (imortalidade) e ao mesmo tempo gostaria de antecipar o seu encontro o quanto antes. De certo modo, conseguiu.
Coincidentemente Lord Byron foi contemporâneo de Schopenhauer, filosofo em que sua obra permeia a máxima ?toda vida é sofrimento?. Será que Byron era conhecedor do pensamento de Schopenhauer? Eu vejo muito de sua filosofia em Caim, em que a individualidade, que é ao mesmo tempo conhecimento e sentimento de si, funda a origem do que é necessário, inexorável e irreconciliável ao ser humano: o sofrimento.
Parabéns edição primorosa do Sebo Clepsidra, parte da coleção da editora sobre o Lord Byron. Dá para ver o carinho, que conseguiu trazer os ares da época para a edição. O material de apoio contextualiza a obra e traz algumas curiosidades sobre alguns trechos. Meus únicos pesares são algumas ilustrações internas que, apesar de não fazerem meu estilo, são interessantes, e o inevitável problema de qualquer tradução: as rimas, no caso, inexistentes. Gostei muito da estética das capas da coleção e logo irei inserir Manfredo na lista de leitura.
5/5 estrelas.