Ensaios sobre a depressão

Ensaios sobre a depressão Han B.C.




Resenhas - Ensaios sobre a depressão


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Cristian 17/09/2019

A depressão é atravessada por muitos aspectos
O livro trata de um dos maiores males desse século que se inicia: a depressão, como indica o título. Como tema complexo e cheio de atravessamentos de diversas dimensões (sociais, psíquicas, políticas, neurológicas, etc), o livro não pretende uma resposta cabal acerca do que é, do que causa ou de como tratar a depressão. Ao invés disso, o livro propõe trazer a cada capítulo aspectos dessas dimensões que não deveríamos descuidar ao tratar desse tema difícil. Assim, cada capítulo, explora um aspecto centrando-se em um ou outro autor que tenha dado subsídios para pensar aquele aspecto. No todo, os capítulos compõem uma narrativa ensaística acerca dos caminhos que levam o ambiente social a desencadear a depressão e aportes filosóficos a fim de dar mais compreensão ao fenômeno depressivo. Comentarei brevemente a seguir acerca de cada capítulo.

Pela introdução, já descobrimos que os capítulos-ensaios reunidos nesse livro resistem ao discurso patológico contemporâneo tentando mostrar diversos aspectos desse sofrimento psíquico comumente chamado de depressão sem reduuzir-se ao discurso biologicista ou farmacológico (embora não negue sua importância).

O primeiro capítulo tenta compreender a depressão contemporânea buscando suporte na filosofia de Judith Butler e P. B. Preciado. Esse capítulo nos oferece a compreensão de que a constituição do sujeito se dá em um processo melancólico de perda de um Eu mais livre para um condicionado pelas normas sociais. A depressão nesse sentido é entendida como também relacionada à falta de reconhecimento de certas formas de ser como sujeito, sobretudo nas questões de gênero e sexualidade que são processos discursivos de formação de identidade.

O capítulo dois visa trazer elementos oriundos do trabalho do psiquiatra e fenomenólogo Arthur Tatossian para se compreender a depressão desde um ponto de vista fenomenológico. Tenta apontar para uma atitude que salvaguarde a dimensão compreensiva da depressão frente à investida naturalizante e estritamente médica da enfermidade.

No terceiro capítulo, resgata-se uma das referências fundamentais para uma discussão filosófica da depressão, Soren Kierkegaard, e o põe em diálogo com outro autor que refletiu sobre o suicídio: Georg Lukács. O tema da depressão é visto sob a ótica kierkegaardiana da enfermidade mortal, da qual é como a encarnação crítica do suicídio.

No quarto capítulo, a discussão de que a depressão é uma patologia da sociedade retorna ao foco; porém, nesse ensaio, não será o aspecto da subjetivação ou da falta de reconhecimento de formas de constituição de si que estarão em relevo, mas a capacidade do sujeito (ou a falta dela) em dar sentido à sua existência. O autor traz Victor Frankl para lançar luz sobre como a pressão da sociedade de consumo, que institui padrões inalcançáveis de felicidade para a maioria dos indivíduos, gera frustração e sofrimento psíquico.

No quinto capítulo, orientado-se na filosofia de Peter Sloterdjik, o autor tenta capturar filosoficamente elementos para podermos pensar a condição do luto. Não seria o luto um momento de grande fragilidade humana, onde justamente a força própria do sujeito escapa e falta as condições suficientes para dar sentido à existência? Esse capítulo fornece-nos o entendimento de que o luto não é um tipo de sofrimento referido a objetos, mas, sim, à perda de uma parte do Eu, de um pedaço da subjetividade que, repentinamente, se esvai.

O sexto capítulo toma o relato de Andrew Solomon, feito em seu livro O Demônio do Meio-Dia, para nos trazer a experiência depressiva em primeira mão, isto é, o relato de quem passou pela enfermidade e "voltou" para nos contar sobre isso. Parece, francamente, uma grande resenha do livro de Solomon, mas é interessante pelos dados epidemiológicos que apresenta.

No sétimo capítulo, o fenômeno da depressão é colocado sob escrutínio na perspectiva do sociólogo Alan Ehrenberg. O capítulo repassa a trajetória investigativa de Ehrenberg em que ele identifica uma característica central da sociedade contemporânea: a adoção do individualismo como ethos organizador de nossa civilização apresenta uma faceta sombria, a depressão nervosa.

No oitavo capítulo, o pensador que é trazido para refletir o lugar da depressão na sociedade é Byoung-Chul Han. Esse filósofo entende que a maneira de percebermos a relação entre a depressão e o tipo de individualismo contemporâneo (delineado no capítulo anterior) não pode mais ser adequadamente descrita pela noção de biopolítica. Seria preciso uma nova categoria: a psicopolítica. Com essa categoria, relaciona as atuais patologias da psique com os processos econômicos globais.

O nono capítulo, talvez o mais próximo de uma filosofia estética como meio de enfrentar o nosso mal do século (a depressão), apresenta o pensar melancólico de Walter Benjamin como portador de um caráter revolucionário e, tal como um cicerone, conduz-nos pelas passagens várias de sua obra localizando os aspectos que fazem ver esse pensar melancólico e revolucionário. Um pensar que resiste aos estertores de uma sociedade depressiva e esgotada é aquele que não se resigna diante da complexidade conjuntural do problema.

O capítulo dez lança-se na investigação dos elementos que propiciaram o surgimento e a consolidação do atual arranjo sociopolítico em que a maioria do ocidente vive. Esse capítulo mostra, em seus traços gerais, como as transformações econômicas e políticas do último século moldaram os modos de vida e subjetivação dos indivíduos até hoje, fazendo florescer diversas novas psicopatologias, assim como o agravamento de outras. Como resultado, vê-se um esgotamento geral do sujeito ao ponto da depressão.

O capítulo onze contribui para nossa compreensão de como a tão festejada proliferação de conhecimento, difusão de informações, assim como a velocidade e volume com que elas alcançam praticamente todo o globo, traz consigo também problemas psicológicos variados, ansiedade e inclusive diminuição da atenção. A complexidade conjuntural do problema da depressão faz ver outro aspecto dentre os já tratados nos demais capítulos até aqui: o excesso de informação com que tem de lidar o ser humano atualmente.

O último capítulo, fechando o livro, inicia-se recolhendo das demais perspectivas apontadas nos outros capítulos a crítica contundente à sociedade de consumo e à promoção de simulacros com os quais estabelecemos relações de idolatria. Pelas redes sociais, como apontou Zigmunt Bauman, os indivíduos não se encontram com outros propriamente, mas se transformam em produtos para consumo e as relações humanas deterioram para uma mera afinidade entre consumidores. A depressão aparece por fim como o resto do que foi consumido do sujeito no mercado e na opinião pública. Como resto, o que sobra, não seria o indício de um aspecto de resistência, tal como, de outro modo, o primeiro capítulo deste livro nos fez pensar?

Assim, como uma espécie de ciclo, os capítulos-ensaios reunidos no livro traçam um périplo de ida e volta nos variados aspectos do problema da depressão na sociedade contemporânea. Sem que cada um seja exatamente continuação do outro (podendo inclusive lê-los independentemente uns dos outros), mas percebendo um fio condutor temático entre eles, a depressão foi exposta em sua dimensão individual e social. A articulação entre essas dimensões está presente em todos eles. De certa forma, o livro oferece a possibilidade ampliarmos nosso horizonte de sentido no tema da depressão, contribuindo para uma compreensão dos aspectos do fenômeno depressivo.
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