Toni 18/04/2024
O quarto de Giovanni [1956]
James Baldwin (EUA, 1924-1987)
Cia. das Letras, 2018, 232 p.
Trad. Paulo Henriques Britto
Na eulogia que escreveu para J. Baldwin, Toni Morrison encerra seu texto com as seguintes palavras: “’Nossa coroa’, você disse, ‘já foi comprada e quitada. Tudo o que precisamos fazer agora é usá-la’. E nós a usamos, Jimmy. Você nos coroou.” Nunca me esqueci dessa imagem e, talvez por isso, tenha feito tanto sentido “coroar” esta lista de 30 leituras para o mês do orgulho LGBTQIA+ com uma de suas obras. Ousado, impiedoso e exuberantemente irredutível, O quarto de Giovanni é um romance que encanta e perturba em igual medida e, assim como a personagem frente ao espelho que abre e encerra o romance, tem a capacidade de nos devolver tanto um pedaço de nós mesmos quanto de seu autor — também ele irredutível, impiedoso, ousado.
Aqui acompanhamos um jovem americano em Paris e seu envolvimento com um barman italiano enquanto aguarda sua noiva retornar de uma temporada na Espanha. Apesar do conteúdo francamente homoerótico, o romance, para Baldwin, não deve ser lido apenas por essa chave, “é sobre o que acontece quando se tem medo de amar alguém.” Ou ainda, nas palavras de uma das personagens: “se você pensar nesse tempo como uma coisa suja, então vai ser mesmo uma coisa suja — porque você não vai se dar nem um pouco, vai desprezar a própria carne e a dele. Mas você pode fazer com que o tempo passado com ele não seja sujo de modo algum; vocês podem dar um ao outro alguma coisa que torne vocês dois pessoas melhores — pra sempre — desde que não tenham vergonha, que se recusem a se proteger.”
Na fatura da obra, o quarto é um espaço ambíguo (com forte marcador de classe) onde o desejo pode ser fruído em liberdade mas às custas do aprisionamento e alijamento de seus moradores. David, o americano, sente-se atraído e enojado pelo quarto, pela “inversão” (no sentido heteronormativo) de papeis que desempenha com Giovanni. Essa batalha interna, marcada por desdobramentos fatais, faz de O quarto de Giovanni uma história de remorso e luminosidades fulgurantes, na qual identidade e amor são faces complementares de uma mesma busca.