Maria Paula de Sá 25/08/2020É possível ser infeliz em Paris.Esse foi meu livro de entrada para a escrita do autor, e não poderia ter sido melhor.
O Quarto de Giovanni, definitivamente, ficará em minha memória por diversos motivos, em especial, por tratar da homossexualidade como era de fato na época. Retrata a agoniante história de David, norte-americano, residente em Paris e seu breve romance com Giovanni, imigrante italiano. Foi difícil eu entender que com James Baldwin eu teria de lidar com sua prosa uma hora floreada, noutra sucinta e direta, e isso se fez notar através de seus personagens (pouco ou quase amáveis).
Não, eu não me afeiçoei profundamente, tampouco criei vínculo profundo com nenhum dos protagonistas, mas me identifiquei em alguns de seus pensamentos, modos e falas. Certamente não foram escritos para serem odiados, nem dignos de glória, mas ao meu ver, para representar a realidade do nosso cotidiano. Pessoas são boas e más, não existem heróis na vida real e Baldwin soube representar muito bem. Compreendi tantas coisas, um amor (ou a falta dele) pode sim matar. Pode matar a alma, enfraquecer o espírito e nos levar à perdição.
A melancolia inerente de David fez com eu olhasse para meu próprio umbigo e perguntasse: "Está tudo bem conosco, certo?", pois de tão perdido que ele estava, comecei a achar que eu estava também. Aliás, tenho pontos além de desagradáveis para dizer a respeito desse personagem solitário e indecoroso, começaria explicando-lhe sobre responsabilidade afetiva e o quão importante isto é para a saúde mental dos envolvidos.
Agora, Giovanni poderia se passar por vítima aos meus olhos tranquilamente, mas ele estava tão a mercê da vida, que mal sabia ele no caminho que se enfiava, quase tão perdido quanto David. O desespero por amor comprometeu seu senso em algumas partes do livro, me fez querer pegá-lo no colo diversas vezes e chacoalha-lo também, pois tamanha era a falta de amor próprio. Ademais, protagonistas secundários protagonizaram seus papéis com maestria.
Era fantasioso ver que um americano na famosa Paris podia ser mais infeliz que o próprio diabo, mais eloquente ainda foi ter uma boa noção de como a homossexualidade era vista na época, nem mesmo o solo parisiense, conhecido por seu viés liberal, aceitava certos divergentes.
O romance fez mais sentido ainda para mim depois que li os textos adicionais no final, que explicaram no que essa história foi baseada, cortou meu coração, já que sabemos muito bem que todas as obras de Baldwin são autobiográficas. Recomendaria esse livro para qualquer um, de olhos fechados.
* Assuntos como autoaceitação, racismo, sexo, classe social, sexismo e machismo são pertinentes ao livro.
**Vale lembrar que esse livro foi escrito na década de cinquenta e que algumas falas podem causar estranheza e desconforto.