Andrezinn 03/12/2022
Quem é aquele que se diz civilizado?
Após um ano muito conturbado, devido a truculenta Comissão Chapeleira e por consequência de seus atos imprudentes nos anos anteriores, Hugo terá desafios ainda maiores para enfrentar. Mas dessa vez, será para salvar um querido amigo, a quem ele havia ferido com duras palavras, e que sofria caladamente. Sabendo que não conseguiria vê-lo sofrendo, cede aos impulsos e começa sua busca para uma possível cura, enquanto o tempo, impiedoso, continua a passar.
No começo do livro, ficamos sabendo que Capí passou a ter pesadelos com a Tortura, que só aumentavam com a iminente abertura do processo judical resultante da acusação no final do livro anterior, e que Caimana começou a despertar seus poderes empáticos, que sem controle a atormentavam diariamente. O antigo laço inquebrável dos Pixies começa a mostrar-se frágil e passa a impactar a todos. O início do processo,e a busca por justiça, mostrou-se um fracasso e a descoberta de um segredo guardado a sete chaves por Hugo só piorou a situação, aumentando a tensão entre eles. Arrependido de suas falas imprudentes que machucaram um amigo, depois de conhecer o segredo que ele guardava - uma rara doença -,ele parte em busca da única cura provável, para consertar seus erros para com ele.
Nessa busca, Hugo vai até a Amazônia e embarca, literalmente, na escola de magia do Norte, a Boiuna, que revela ser um barco que percorre o rio Amazonas de cabo a rabo, pegando os alunos nas cidades ribeirinhas. Os Curumins e Cunhantãs, alunos e alunas da escola, são em grande parte indígenas de diferentes tribos; mas tamabém há os brancos de descendência europeia, os negros que migraram como escravos para o interior e os mestiços de muitas etnias.Na Bouina todos as diferenças são respeitadas e o conhecimento dessas diferenças é incentivado por meio dos professores e alunos, seja pela própria forma como as aulas são ministradas, no português brasileiro ou no nheengatu,a língua geral indígena/amazônica. O choque cultural para Hugo é tanto, que ele se sente deslocado, mas seu encontro com Bárbara e Poetinha o ajuda nessa jornada, acalmando seus nervos enquanto o tempo consome seu querido amigo, e dando-lhe conselhos para a iminente jornada no Inferno verde, a Floresta Amazônica.
Um dos grandes destaques do livro, é a própria temática indígena que ronda a jornada de Hugo. Renata não conta páginas para expor as diversas questões deles, expondo os problemas, as crenças, os costumes e as tradições das inúmeras tribos indígenas do norte brasileira. As questões ambientalistas e a valorização da cultura indígena ficam muito bem equilibradas, não sendo maçantes e nem tomando tempo demais, com o fio condutor da história seguindo sem nenhum problema. A retratação indígena no livro não foi vitimista como é costume ser, mas foi verossímil, apresentando as diferenças entre eles, com o preconceito que algumas etnias sofrem de outras, o impacto do “Homem branco” em muitas culturas, contribuindo para a heterogeneização dos Indígenas, que durante muito tempo foram congregados e generalizados como um grupo homogêneo.
Nessa jornada, Hugo aprende a complexidade e a dinamicidade presente na Amazônia, não só na natureza, com diversos animais e plantas, mas também nos humanos que fazem da floresta o seu lar. Hugo também aprende a se controlar mais e a ser cuidadoso com suas palavras e ações, finalmente ficando evidente o quão longe ele chegou com seus pequenos passos em seu amadurecimento. Mas será que tudo que ele aprendeu será suficiente para sua dura jornada na Amazônia mágica, um lar de muitas criaturas perigosas, incluindo o dono do fiozinho de cabelo que dá poder a sua varinha escarlate, o Curupira?
"O homem branco às vezes não tem nada de civilizado"'
"Antes, indígena não tinha alfabeto, mas foi criada língua escrita pra indígena poder fazer registro do conhecimento. Sociedade branca só respeita conhecimento escrito. Acha que analfabeto não tem conhecimento. Acha que um indígena que não escreve não tem conhecimento, não tem sabedoria. Valoriza a escrita, mas esquece de valorizar a memória."'
'Tadeu sorriu bondoso, "Índio não: indígena. Índio é termo indelicado." "Sério?!" Hugo arregalou os olhos. Não esperava por aquilo "Indígena significa nativo:originário de um país. É palavra que mostra nosso direito de estar aqui e de ser respeitado. Já palavra Índio foi engano dos colonizadores, que acharam que as Américas eram a Índia. Depois, passou a ser usada por eles para nós diminuir; pra dizer que éramos tudo um povo só, simples e ignorante, que estava no caminho do progresso deles. Chamar todos de Índio escondia a enorme diversidade de povos e culturas milenares que já existiam aqui: qua faziam alianças e guerreavam entre si. Definitivamente não eram bem simples, nem ignorantes, nem um povo só. Hoje em dia, termo Índio continua sendo generalização, que das branco pensar que todo indígena é igual, agr do mesmo jeito e quer mesma coisa. E toda generalização é desrespeitosa. [...] Nós somos centenas de nações, com línguas diferentes, costumes diferente, crenças diferentes, vontades e necessidades diferentes. Dizer que somos todos iguais é como dizer que portugueses, franceses e italianos são tudo a mesma coisa só porque são europeu e vestem roupas semelhantes, ignorando toda a história, língua e costumes diferentes entre os três países."'
'Cristianismo tem mensagem linda de tolerância e paz, mas nem sempre o ser humano religioso entendeu isso. Até hoje não entendem. Somos todos crianças ainda, aprendendo a caminhar."'
"'Não se combate fogo com fogo", ela explicou. "Assim como não se convence uma pessoa irritada gritando mais alto que ela. Só é possível esfriar a raiva de alguém com suavidade. Reagir com raiva só traz mais raiva."'
'É uma pena que a maioria dos brasileiros não os conheça. Existem nações inteiras no Brasil, cada uma com sua própria sabedoria milenar, se atualizando e trocando conhecimentos, se modificando, se adaptando, como todos nós. Mas para o resto dos brasileiros é como se não existissem. As crianças Azêmolas aprendem mais sobre o mercantilismo da Grécia antiga do que sobre os indígenas que moram em seu próprio país, e acabam saindo da escola com um total desconhecimento deles. Como se todos os indígenas fossem peças de museu. Como se não houvessem indígenas universitários, indígenas escritores, indígenas soldados. Reduzem tudo ao 'Índio do descobrimento'. É assim que se cria o preconceito! A indiferença e o ódio são filhos diretos do desconhecimento."'
'Diálogo. É tudo que o Brasil precisa para ser grande: que o brasileiro aprenda a dialogar. Ao ver cada povo, cada grupo, cada etnia com respeito, antes de tomar qualquer decisão. A encontrar soluções que sejam boas para todos os lados, pensando em conjunto com os envolvidos, e não longe deles, em um escritório qualquer do governo sem conhecimento real de todos os aspectos do problema."'