spoiler visualizarTati 04/01/2012
GÊNEROS LITERÁRIOS.
GÊNEROS LITERÁRIOS.
Para os interesses delimitados nesse estudo, cabe investigar dois gêneros literários – o lírico e o épico -, já que eles estariam ligados ao amor e à guerra, elementos norteadores dessa pesquisa.
Para tanto, usaremos as definições do Dicionário de Termos Literários de Massaud Moisés.
Gênero Lírico.
A lírica inicialmente designava uma canção que se entoava ao som da lira, era a aliança entre a música e o poema ou entre a melodia e as palavras.
Inaugurada pelos gregos no século VII a.C., essa modalidade poética permaneceu até a Renascença, quando o primitivo significado – poesia cantada – entrou em desuso. Apenas no século XIX, com o empenho que os românticos puseram no deslindamento dos problemas relacionados com o “eu” é que novas luzes foram lançadas sobre a questão da lírica.
O histórico da lírica apresenta dois lapsos de tempo, limitado pela Renascença: no primeiro, consistia na atividade poética destinada à conta, e acompanhada pela lira ou, durante a Idade Média, por outros instrumentos de corda. No segundo, instaurado o divórcio entre a letra e a pauta musical, o poema lírico endereçava-se não mais aos ouvidos, e sim aos olhos, pois visava a ser lido. Contudo, o remoto e entranhado vinculo resistiu: a rigor, embora o poema lírico não mais supusesse o canto, a musicalidade manteve-se como característica indelével.
Entre gregos, egípcios e hebreus, a lírica associava-se, primitivamente, às práticas religiosas. Todavia, os críticos romanos, caudatários dos gregos, enfatizaram-lhe o aspecto estético, considerando-os simplesmente uma poesia de natureza musical, acompanhada pela lira e destinada ao canto.
A lírica quando ingressa na modernidade é reconhecida então como sublime fenômeno da poesia.
A preocupação do poeta lírico é com o próprio “eu”. Já em relação ao conteúdo Moisés explica que: “o conteúdo da poesia lírica é (...) a maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo”. (MASSAUS, 2004, p. 261).
O que interessa antes de tudo é a expressão da subjetividade como tal, das disposições da alma e dos sentimentos. A manifestação lírica é a simples auto – expressão da disposição intima o autor confirma ao dizer que:
o lírico é um ser solitário, ignora a existência de um publico, e poetiza para si; daí que a poesia lírica se nos revele como arte solitária, uma arte que unicamente se percebe entre duas almas harmonizadas em idêntica solidão.
(ibid, p.261)
E quando ocorre de o autor ultrapassar o círculo de sua interioridade, os objetivos do mundo exterior tornam-se o impulso de onde nascem os sentimentos, emoções. Conforme explica o autor:
A verdadeira poesia lírica, como toda a verdadeira poesia, tem por missão o conteúdo autêntico da alma humana. Porém, enquanto líricos, até os mais substanciais devem ser o reflexo de sentimentos, intuições, idéias ou reflexões subjetivas.
(ibid, p.262)
Quanto ao tempo verbal, a lírica transcorre no presente, ainda quando o tempo referido seja o passado ou o futuro. É que, ao debruçar-se sobre o seu mundo interior, o lírico procede como quem recorda. Assim, o passado e o futuro se presentificam graças ao dom de lembrar, a maioria das vezes, um único sentimento: o amor. A poesia lírica e o amor caminham juntos.
Gênero Épico.
A existência desse gênero é anterior as obras de Homero. Apesar de a Odisséia e a Ilíada terem sido elaboradas cerca de 900 anos antes de Cristo, somente com a Poética de Aristóteles, ocorre a primeira tentativa de conceituar a poesia épica. O filósofo grego procura desarmar as restrições de Platão a poesia e ao poeta, mas não esconde a sua admiração pela tragédia, ou seja, pela arte cênica: no geral, confronta a poesia épica e a tragédia, mais no intuito de compreender esta que aquela. Moisés explica as diferenças, conforme mostra a citação:
na imitação de homens superiores, por meio do discurso; mas difere a epopéia da tragédia, pela adoção de um metro uniforme e pela forma narrativa. E também na extensão, porque a tragédia procura, o mais que é possível, caber dentro de um período do sol, ou pouco excedê-lo, porém a epopéia não tem limite de tempo. Por outro lado, todas as partes da poesia épica se encontram na tragédia, mas nem todas as poesias trágicas intervêm na epopéia.
(MASSAUD, 2004, p.152)
Durante a Idade Média, os estudiosos acerca da poesia épica, refletindo o geral descrédito da crítica literária em favor da teologia, pouco ou nada avançaram: quando não desconhecida de todos, a épica irrompe de mistura com as demais expressões literárias, sobretudo o teatro e a oratória. Em compensação, na Renascença, os textos teóricos a respeito da poesia épica e da epopéia, repercutindo o geral interesse pela Antiguidade Greco – latina, conhecem uma quadra de esplendor. A tal ponto que “o poema heróico preencheu lugar importante nas preocupações dos renascentistas”. (ibid, p.153).
Certas regras, desenvolvidas e fixadas no decurso dos séculos XVI e XVII, prevalecem longo tempo e ainda hoje recorrem à memória e à pena sempre que se trata de poesia épica. Resumem-se no seguinte:
A poesia épica deve girar em torno de assunto ilustre, sublime, solene, especialmente vinculado a acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo, para que lendário se forme ou permita que o poeta lhes acrescente com liberdade o produto da sua fantasia; o protagonista da ação há de ser um herói de superior força física e mental, embora de constituição simples, instintivo, natural; o amor pode inserir-se na trama heróica, mas em forma de episódios isolados; e, sendo terno e generoso, complementar harmonicamente as façanhas da guerra.
O poema épico distribui-se em três partes autônomas: a proposição, o enunciado do tema da obra; a invocação, o apelo aos deuses para que auxiliem o poeta na sua empreitada criadora; a narração, parte central e mais extensa, que contém o relato minucioso da ação executada pelo herói; a narração deve obedecer a uma seqüência lógica; entretanto, à ordem cronológica seria preferível a artificial, que surpreende a ação em meio; o epílogo, fecho da ação que deve guardar um imprevisto, mas ser provável e coerente, além de conter desenlace feliz.
Ainda caracteriza o poema épico: o maravilhoso, o impacto de forças sobrenaturais na ação dos heróis.
Nos fins do século XVII, entra em crise a estética clássica e, portanto o corpus teórico da poesia épica.
O poema épico procura oferecer uma visão de mundo, espécie de obra – síntese para a qual tende todo processo criador de arte. O poeta épico aproxima-se do filósofo naquilo em que aspiraria a moldar, no magma do poema, uma compreensão do Cosmos equivalente à do pensador. O Moisés explica a afirmação:
o caráter regular e unificado de um poema épico não depende tão – somente do conteúdo, mas também da visão total do mundo, e a unidade épica não estará completa senão quando a ação particular atingir o seu termo, embora, no seu desenvolvimento, mantenha sempre o contato, para no-la tornar perceptível, com a totalidade do mundo cuja esfera evolui, donde a mediação direta entre as duas esferas, quer dizer, entre a ação individual e a totalidade do mundo.
(ibid, p.154)
No século XIX, o poema épico abandonou as “regras” clássicas, mas preservou a base em que se amparava e a meta a que visava, conscientemente ou não: o impulso de visualizar toda a complexidade do Cosmos numa unidade fundamental, num sistema, composto da integração harmônica dos contrários e das antinomias observáveis no mundo da realidade. Livre, às “regras”, e independentemente da extensão e estrutura dos poemas, mas ficou a intenção de abranger a multiplicidade dinâmica do real físico e espiritual numa só obra, numa só unidade.
De acordo com Moisés, a circunstância de convocarem o pensamento para o interior do poema, de modo a fundi-lo com a emoção, a emoção ganha forma e transfigura-se graças ao pensamento que a indaga e desenvolve, e o individual adquire foros de universalidade pela ampliação de “eu” em “nós”. Ao contrário do poema lírico, que não ultrapassa os limites da emoção ou do sentimento, portanto, da sua individualidade, ou seja, do próprio “eu”.
Nem todo poema épico pode ser classificado de epopéia, mas esta é sempre um poema épico. A distinção residiria em que um poema se torna epopéia quando alcança representar a totalidade do seu povo no instante supremo da sua vida histórica. Deste modo, cada povo teria a sua epopéia.
O poema épico seria aquele que se frustrou no empenho de realizar-se como epopéia, em parte porque o poeta carecia de “engenho e arte” e em parte por haver selecionado um aspecto ou um acontecimento secundário de uma nação.
Com o fim das epopéias, o seu tradicional componente narrativo, fruto da ação heróica, foi absorvido pelo romance, que despontou naquele mesmo século. E o seu componente poético manteve-se como tal nos poetas que, desvendando o “nós” inserido nas passagens interiores do “eu”.