Revista A Taverna

Revista A Taverna H. Pueyo...




Resenhas - Revista A Taverna Edição 2


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Lucas Furlan | @valeugutenberg 02/02/2020

Ficção fantástica nacional
O surgimento da revista digital "A Taverna" foi uma ótima notícia para leitores e escritores de ficção especulativa. Foram duas edições até agora: a primeira saiu em janeiro do ano passado, e a segunda em julho. Diogo Ramos e Otniel P. Pereira foram os editores-chefes dessa edição 2, e Harumi Namba foi a artista responsável pela capa. Além das cinco narrativas selecionadas, a revista apresenta também um prólogo escrito por Letícia Werner.

O primeiro conto é "O que o vento sul sussurra", de H. Pueyo. Nessa ficção científica, a Terra é atingida com frequência por cometas e asteróides, e, para proteger a humanidade, foram construídos escudos por todo o planeta. Elias, sempre acompanhado da inteligência artifical Heloise, é o único responsável pela base isolada que controla o escudo da Patagônia. A chegada de uma nova funcionária, Lolla, vai transformar a dinâmica do local, trazendo à tona segredos, inseguranças e particularidades de todos eles. Na minha opinião, esse é o melhor conto da revista.

Ana Lúcia Merege, criadora da série de fantasia "Athelgard" (publicada pela editora Draco), é a autora da segunda história, "O touro vermelho". Nela, o estudante espanhol Antonio, acompanhado de seus colegas de escola, visita o Palácio de Knossos, em Creta, local que remete às origens do mito do Minotauro. A princípio parece ser apenas um conto sobre relacionamentos adolescentes, mas a trama toma um rumo inesperado perto do final.

Em seguida vem "Limiar", de Jaime de Andruart. Gaúcho, o protagonista, percorre os pampas em busca do valioso touro que foi roubado do seu patrão. A história tem uma forte pegada de Western, e, aos poucos, ganha contornos fantásticos e sobrenaturais. Pouca coisa é explicada em Limiar, mas o conto é intrigante.

A quarta narrativa, "Alameda dos ratos", é de autoria de Guilherme Alaor e se passa num reino não identificado. Um reportador a serviço do Conde (o soberano do local) é enviado para a zona portuária conhecida como Alameda dos Gatos para investigar alguns acontecimentos recentes. Lá, ele é recebido pelo narrador do conto, El Ratón, e descobre que a área é cheia de segredos e possui uma lei própria.

Por fim, encerrando a coletânea, temos outra ficção científica: "Lembre-se, setembro", de Diego Araújo. A história se passa no Brasil, daqui a 3 mil anos, numa sociedade avançada tecnologicamente (as pessoas possuem corpos com elementos cibernéticos), mas dividida em castas — com um sistema de pontuação que lembra bastante o do episódio "Nosedive", da série Black Mirror. O personagem Antônizo Z3F1 narra sua busca por Elísio F4, um amigo com quem não consegue contato há algum tempo. Antônizo teme que Elísio esteja planejando tirar a própria vida.

Os cinco contos que entraram nessa segunda edição da revista "A Taverna" se passam em universos bem construídos e são diferentes entre si. Há uma preocupação clara com a representatividade dos personagens, e isso é louvável. Entretanto, na minha opinião, essa edição é ligeiramente inferior à primeira. Isso porque achei o conjunto da obra um pouco irregular, com alguns contos bem melhores e mais originais do que outros.

Apesar disso, indico bastante a leitura da revista e estou ansioso pela terceira edição! A equipe da Taverna é séria e comprometida em divulgar a ficção especulativa brasileira, e faz um trabalho que merece ser acompanhado. Os eBooks das duas edições estão à venda na Amazon e podem ser lidos gratuitamente por assinantes do Kindle Unlimited.

Acesse o site atavernarevista.com.br, conheça mais sobre a revista e saiba como enviar seu conto para o processo seletivo das próximas edições.

site: https://valeugutenberg.wordpress.com/2020/01/28/resenha-revista-a-taverna-02/
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Paulo 06/09/2019

1 - O que o Vento Sul Sussurra - H. Pueyo (5 estrelas)

Se vocês ainda não conhecem o trabalho da H. Pueyo, deveriam. Ela é uma das melhores contistas de ficção especulativa no Brasil hoje. Não à toa ela publica contos em inglês e em português, tendo um de seus contos indo parar na Clarkesworld, uma das revistas de ficção especulativa mais respeitadas dos EUA. Uma das maiores qualidades da Pueyo é como ela consegue enredar o seu leitor em uma narrativa que cresce em complexidade a cada página virada. Nesse conto em especial ela colocou para si mesma um nível de dificuldade bem elevado na criação de personagens e consegue entregar uma história linda.

Somos colocados em um mundo onde, aparentemente, o aquecimento global destruiu a camada atmosférica que nos protege de meteoritos e asteróides. Todos caem na Terra eventualmente. Foram criados escudos espalhados por todo o planeta que servem para reduzir os danos causados. Eles são cuidados por uma ou mais pessoas e uma IA que monitora tudo. Nosso protagonista chama-se Elías, e, ao lado de Heloise, a Inteligência Artificial, eles protegem o escudo de Ushuaia, no sul da América Latina. Elías sofre de autismo e tem muita dificuldade de lidar com as pessoas. Sequer consegue sair direito da base onde se situa o escudo. Apesar disso, ele consegue se comunicar adequadamente com Heloise, muito porque a IA não tem uma expressão física. A chegada de Lola, uma nova auxiliar para a base, vai balançar a vida de Elías. Logo de cara, o protagonista percebe que Lola também é autista e a narrativa adota tons dramáticos à medida em que ele precisa lidar com os seus sentimentos e vencer seus medos.

Pueyo consegue nos entregar uma história muito sensível aqui. O fato de os dois personagens humanos serem autistas coloca barreiras de até onde a autora consegue levar a narrativa. No entanto, ela tira isso de letra, nos mostrando a dificuldade de dois autistas se relacionarem entre si e com o mundo que o cerca. Os diálogos pela metade e os silêncios são ensurdecedores. Mais ainda é o fato de a narrativa ser em primeira pessoa do ponto de vista de Elías. A gente vai se dando conta de como o mundo é para ele. O personagem não está satisfeito consigo mesmo e possui até um certo rancor do mundo. O tratamento maternal de Heloise vai se manifestando com mais e mais clareza à medida em que a narrativa se desenvolve e o leitor vai se dando conta de o quanto o personagem depende emocionalmente da IA.

Uma das questões finais da narrativa (e tentarei não dar spoilers aqui) é se, para Elías, quem é o melhor tipo de parceiro para ele: um humano ou uma inteligência artificial? Vale a pena destruir tudo e começar de novo ou se adaptar ao que ele tem e se esforçar por um mundo melhor? Existe mais um plot twist na narrativa que vai mostrar o quanto a auto-aceitação é difícil para Elías. Chega a ser dolorido quando descobrimos do que se trata e o quanto o mundo e as pessoas são verdadeiros estranhos para ele. Pueyo consegue entregar uma narrativa linda, e, do ponto de vista de um escritor, se trata de um conto com um nível muito alto de dificuldade que ela conseguiu tirar de letra. É disparado o melhor conto da coletânea.

2 - O Touro Vermelho - Ana Lúcia Merege (3 estrelas)

O que sabemos sobre o lendário palácio de Cnossos já gerou muitas histórias e interpretações. Através dela, Ana Lúcia cria uma narrativa sobre escolhas, dúvidas e indecisões. É um mito antigo servindo para nos contar uma história muito atual. A relação entre três amigos é testada de uma maneira violenta e ao final ficamos chocados com o que a autora nos entrega.

Pablo, Antônio e Milena estão em uma excursão pelas ruínas do palácio de Cnossos. Entre pinturas antigas, detalhes históricos e lendas antigas, os amigos vagam discutindo amenidades e brincando uns com os outros. Antônio é secretamente apaixonado por Milena, mas nunca foi capaz de confessar o seu amor. Sempre havia aquela dúvida de se ele levaria uma negativa e acabaria estragando sua amizade. Mas, o arrependimento corrói a sua alma, principalmente agora que Milena e seu melhor amigo Pablo estão namorando. Apesar de Antônio gostar de Pablo, ele apresenta muitos dos defeitos do personagem enquanto observa, com uma dose de amargura, Milena em toda a sua beleza. Mas, um momento de uma discussão acalorada, acaba fazendo com que Antônio revele seus sentimentos para Milena. E algo muito estranho acontece logo em seguida.

Nesse conto, Ana Lúcia parte de uma questão muito humana e insere elementos de fantasia para trabalhar os sentimentos do personagem. Apesar de ter um teor bem voltado para o fantástico, o terror está presente ali nas beiradas. O tema principal é o do arrependimento e o das escolhas não realizadas. E isso se coloca de forma explosiva no final da narrativa quando o personagem é colocado diante de uma escolha mortal. Não é o normal na escrita da autora, mas achei que essa narrativa ficaria mais impactante se fosse contada em primeira pessoa a partir de um narrador não confiável. Isso porque as emoções de Antônio atrapalhariam a forma como ele faria esse relato. E até nesse caso, dá para sentir alguns pontos não confiáveis em determinado momento, mas que acabam não se encaixando com o tipo de pessoa escolhido pela autora.

Não é dos meus contos favoritos da autora, mas uma coisa que eu fui capaz de perceber é como ela está experimentando novas formas de contar uma história. E já fazia tempo que eu não via o lado B (como ela mesmo chama) dela. Repito: se engana quem enxerga em O Touro Vermelho, um simples conto de fantasia. Existem muito mais coisas escondidas nas linhas da história que nos levarão até um combate mortal no palácio de Cnossos. No fim das contas, o melhor é não ter dúvidas sobre suas próprias escolhas. Decidam-se, caso não queiram se arrepender mais tarde.

3 - Limiar - Jaime de Andruart (3 estrelas)

Limiar é um bom conto que emprega a magia da cultura gaúcha em uma narrativa que mescla elementos fantásticos para contar uma história assustadora. Apesar dos contornos de folclore gaúcho, senti na escrita de Jaime de Andruart muito do westerm americano. O gaúcho representa o cavaleiro andante, que, com sua cuia e sua montaria seguem aonde o seu coração manda. Sua busca o levará a uma aventura sombria onde ele vai se deparar com algo que vai fazê-lo se questionar sobre sua própria existência.

A narrativa é conta em primeira pessoa pelo protagonista que foi enviado para recuperar um dos animais especiais de seu contratante. O ladrão de gado parece ter se escondido nas proximidades de uma cidade no sul do Brasil. A narrativa parece se passar durante o período colonial do Brasil, apesar de o autor não dar muitas explicações a respeito (e nem as achei necessárias para a história). A cada novo questionamento sobre o paradeiro do ladrão, o protagonista vai percebendo detalhes bem estranhos sobre o mesmo. Depois de algum tempo sem detalhes sobre seu paradeiro, o gaúcho parece estar se conformando com o fato de não conseguir encontrar o gatuno e o animal. Até que ele consegue descobrir algo e segue rumo ao seu objetivo. Mas, uma situação bem sinistra o estará aguardando. Ao final, o gaúcho não será mais o mesmo.

Fiquei com sentimentos mistos em relação a essa narrativa. Apesar de eu ter gostado bastante do ritmo e do tom da escrita do Jaime, não consegui me engajar na narrativa. A escrita do autor consegue emular muito bem a sensação do homem rumo ao desconhecido, do cavaleiro sem lar que vive ao relento em um mundo grande e inóspito. A ambientação consegue cumprir bem o seu papel. Entretanto, o personagem em si não me conquistou. Não consegui me importar com o que estava acontecendo a ele. Ao final, eu tive até dificuldade de entender o que o levou a tomar uma medida tão drástica porque o encaminhamento para isso soou estranho.

Enfim, achei o conto legal, dos cinco é aquele que melhor consegue adotar um bom tom e ritmo, mas o personagem e a narrativa não conseguiram me prender à história. Quero poder ver outras histórias do autor para poder formar uma impressão melhor sobre o mesmo. Acho que assim talvez eu consiga formar uma outra opinião e reler a história para entender como o autor constrói seu personagem.

4 - Alameda dos Ratos - Guilherme Alaor (3 estrelas)

O gênero de literatura de exploração não é algo tão comum quanto parece. É um estilo que fez muito parte da literatura clássica, principalmente da do final do século XIX e início do XX. Consiste em uma narrativa onde um personagem age como um guia para outro, apresentando as características e particularidades de um universo ou uma região a outra pessoa que não conhece. Aquele que está sendo guiado funciona como um personagem orelha, explicando para o leitor todos os detalhes.

El Ratón recebe um homem enviado pelo Conde para reportar aquilo que está acontecendo na zona portuária. Aparentemente, aconteceu alguma situação que atraiu a atenção daquele que é o administrador do local. O protagonista segue com o reportador por todo o bairro apresentando a ele os negócios e as pessoas. Mas, logo o que viria a ser uma jornada protocolar de inspeção se torna uma viagem pelo submundo decadente do bairro. O reportador acaba vendo assaltos, tráfico, negócios escusos e prostituição. Tudo o que ele não esperava encontrar. O bairro todo toma contornos sombrios, algo inesperado. Ratón é honesto demais sobre tudo o que acontece ali e o reportador estranha esse comportamento. Ao mesmo tempo se horroriza porque não estava preparado para tamanho caos nas terras do conde.

A maneira como Guilherme Alaor vai descendo a narrativa cada vez mais para algo sinistro é muito boa. Isso porque tudo começa com o protagonista apresentando ao leitor que ele sabe porque o reportador se encontra ali. E, por ser uma espécie de supervisor do local, a gente começa a desconfiar do por que Ratón está sendo tão aberto com o personagem. Mas, isso é escondido pela narrativa repleta de impactos sociais como o emprego de jovens para distrair os passantes para afanar suas carteiras, todo o submundo que fornece os desejos escusos daqueles que frequentam o lugar entre outros. A exploração e seus detalhes escondem os reais objetivos da narrativa.

Gostei da ambientação e de como o tom da história permanece em um ritmo de decadência social. Mas, senti que a narrativa precisava de mais espaço para ganhar cores. Isso porque em uma narrativa de exploração, a ambientação se torna mais importante do que a narrativa em si. E faltou um pouco mais de vivacidade para o local; o que a gente vê é mais uma descrição de pessoas sem que o lugar respirasse e transpirasse. Faltou aquela sensação de cheiro do ralo, de o leitor conseguir ouvir os sons das coisas acontecendo ao redor. O autor trabalha muito com o visual, mas menos com os outros sentidos.

5 - Lembre-se Setembro - Diego Araujo (4 estrelas)

Uma das possibilidades da ficção científica é o de fazer críticas sociais. Analisar a preocupação do homem nos dias de hoje com a opinião alheia é algo que tem rondado os estudos de muitos sociólogos. O quanto somos capazes de estabelecer relações sociais. O quanto conseguimos nos conectar com outros. Diego Araujo nos coloca em uma sociedade de aparências onde as pessoas podem conquistar status através de conexões diárias e isto é refletido em seus sobrenomes formados pela combinação de letras e números. Uma trama interessante que se desenrola rapidamente na narrativa e vemos o quanto pode ou não ser importante para as pessoas.

Antonino é o nosso protagonista e ele é uma pessoa afortunada. Possui um sobrenome formado por apenas duas letras e números e mesmo estas são de alto nível. Ele procura medir o impacto que tem sobre as pessoas de forma a facilitar seu trânsito por este estranho sistema. Vemos como ele avalia a necessidade ou não de se conectar com uma mulher pelo qual ele deseja estabelecer algum tipo de conversa e como ele se retrai percebendo que dali ele não conseguiria nada e teria algum tipo de penalização. Seu objetivo nessa narrativa é ir atrás de um garoto chamado Elísio que aparentemente está desaparecido. Este foi uma estrela em ascensão no lugar em que ele trabalha, mas algo aconteceu para que ele se visse na necessidade de se encerrar em seu apartamento. Inicia-se um franco debate entre os dois personagens sobre a necessidade ou não do status na sociedade.

É bem clara a influência de romances como Neuromancer na narrativa do Diego. Não em um ponto de vista ambiental, mas no temático. O foco na crítica social está ali presente e se revela um meio para atingir um objetivo final que é fazer um comentário sobre a nossa sociedade fútil e preocupada com aparências. No caso desta narrativa, acredito que o formato conto não tenha favorecido aquilo que o autor queria fazer. Havia necessidade de trabalhar mais a primeira parte da narrativa porque não fica claro a posição do narrador em relação ao contexto da sociedade. A segunda parte está muito boa, mas faltaram os pilares que sustentariam a ambientação. Todo este trecho é necessário para construir as motivações do protagonista e seu lugar social. Em relação aos personagens senti o mesmo problema: não houve tempo para criar conexões. Contudo, eles agem bem como aquele que representa o status quo e aquele que o critica. Funcionam como pólos opostos para que o autor consiga trabalhar seu tema a partir daí.

Gostei da narrativa, apesar de alguns problemas narrativos aqui ou ali. Tem muito potencial para crescer, bastando haver a compreensão do timing e do ritmo. Isso porque às vezes a gente quer discutir determinadas questões que são aquelas que inspiraram a composição do texto e acabamos esbarrando no equilíbrio entre tema e narrativa. Mas, achei o texto claro e fácil de ser compreendido (contrastando com o estilo truncado e confuso de William Gibson em Neuromancer), e a narrativa termina com uma mensagem bacana.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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MMayumi 17/02/2023

Só gostei do primeiro conto dessa edição. Os outros ou não entendi, ou achei que não teve nada, ou só achei ruim mesmo.
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