Bia.y 18/09/2024
"Fale bem ou fale mal, mas fale de mim." ? George Orwell.
Infelizmente, atemporal.
Se alguém te cutuca repetidamente, é incômodo, não é? Ler esse livro é como receber constantes empurrões laterais: "Ei, você está vendo? Consegue perceber? Não finja que não está." É uma implicância direta, quase pessoal, com o leitor.
Senti um gosto amargo durante a leitura, um enjoo, uma pedra na garganta, beliscões sem parar. No final, fechei o livro e me silenciei. Não parece grande coisa, mas compreender tem suas consequências. Quando se enxerga o reflexo da realidade em uma ficção, quando se percebe a profundidade da opressão, é impossível, com boa consciência, não sentir náuseas. Livros bons causam desconforto. Não são para ser apenas consumidos, mas sim digeridos.
Não me surpreende que, por anos, as pessoas tenham interpretado 1984 de maneira distorcida, usando para validar suas próprias crenças e ideologias. É um livro fácil de ser instrumentalizado. Embora seja uma crítica aberta ao totalitarismo, ao stalinismo e ao fascismo, nos confronta e nos leva a questionar entre o ontem e hoje. Passado e presente.
Pouco me importam as teorias sobre a vida pessoal de Orwell ou quem ele era. O que me cercou durante a leitura foi o reflexo social: a manipulação de informações e propagandas, a opressão, o negacionismo, o controle da linguagem, a vigilância constante e a desumanização. O conceito de "novilíngua" é simplesmente genial. Restringir e manipular a linguagem é uma das formas mais poderosas de dominação. A palavra molda nossos pensamentos e sentimentos, é aquilo que nos aprisiona ou nos liberta. Manipular a linguagem é manipular a mente, e a política brasileira é especialista no assunto, não é? =)
Mas esse conceito vai além da política e da repreensão explícita. Ele toca em algo essencial, presente até nas formas mais banais de comunicação. Vemos acontecer o tempo todo na mídia, nas redes sociais e, infelizmente, até na literatura. A palavra é o controle da mente, e Orwell abordou esse tema com uma genialidade inquestionável.
Tentei ler 1984 duas vezes. No início, achei o começo lento e um tanto tedioso. Agora, com mais maturidade e uma nova perspectiva, percebo que até essa lentidão inicial tem um propósito: é a base necessária para construir a ponte entre a história e os pensamentos de Orwell. A obra é completa, sim. Se tivesse sido um tema de redação no ensino médio, acredito que teria me esforçado mais para concluir a leitura. Jovens precisam ser instigados a ler, provocados a questionar, a reagir e a pensar.
Que sejam taxados de "mimimi", paranóicos e dramáticos, mas pensem, questionem, falem.
Dito isso, para quem pretende ler agora, recomendo uma leitura ativa. Marque o texto, converse com alguém e, acima de tudo, ignore os comentários negativos que encontrar. Ter paciência com o desenvolvimento inicial é fundamental, a introdução prepara o terreno.
No fim, 1984 não é apenas um alerta sobre o totalitarismo. É um espelho. Quanto realmente mudou desde 1984? Essa é a pergunta que fica para quem leu com olhos abertos: o sistema mudou ou se camuflou?