Konshal 19/04/2024
Mil Novecentos e Oitenta e Quatro
GUERRA É PAZ
LIBERDADE É ESCRAVIDÃO
IGNOR NCIA É FORÇA
O terço inicial de 1984 trata de descrever em detalhes e de forma bem convincente, o modus operandi do Partido numa Londres situada em uma outra realidade. Sob o olhos atentos do Grande Irmão, o Partido controla a vida de todos da sociedade assim como controla a forma como a História é escrita e como ela é ensinada, reescrevendo-a a seu bel prazer. Tudo com um claro objetivo: manter um ponto de vista sempre favorável ao governo.
Isso fica muito claro quando passamos a acompanhar o cotidiano solitário de Winston que trabalha justamente no departamento do governo responsável por fazer essas alterações, o de Registros. Aqui todo o expediente é voltado para um processo contínuo de adulteração de qualquer mídia e/ou publicação existente no mundo. Para tanto, a principal ferramenta do governo é a novilíngua, um idioma de poucas expressões, simples e objetivo, que, dessa forma, impede que os seus falantes tenham ou elaborem pensamentos complexos. Uma forma avançada de doutrinação pensada nos seus mínimos detalhes.
A construção do mundo hipotético de 1984 é boa. E suas primeiras cem páginas surgem para estabelecê-lo na mente do leitor, não só demonstrando como essa sociedade funciona e trabalha, mas também o faz de uma forma minimamente comparativa ao nosso mundo real, para que possamos nos situar e identificar os pontos em comum.
O grande problema da trama é que ela passa a soar extremamente repetitiva a partir de um certo ponto. Uma vez que a extensa descrição acompanhada até o seu um terço inicial nos fornece todas as características possíveis para criarmos, na memória, uma imagem suficientemente clara desse mundo (ou do Partido que o governa), essa exposição volta a ser repetida e/ou comentada apenas sob novos pontos de vista - sejam as reflexões introspectivas de Winston, suas conversas proibitivas com Júlia (afinal, interesses amorosos são mal vistos nesse cenário hipotético) ou até mesmo através de um livro-doutrinador que, supostamente, seria utilizado pelos oponentes desse status quo. Mas nenhuma dessas perspectivas acrescenta algo novo à história.
Da forma como o Partido é posto e exposto ao longo das páginas, nem mesmo o clímax de 1984 - o embate final com o governo ditatorial - consegue atingir as expectativas que, à esta altura da leitura, já estavam mais do que baixas em relação ao seu desfecho. Com o prestígio que a criação de George Orwell alcançou ao longo dos anos e sua inclusão perene na cultura pop, onde um dos seus pontos centrais acabou servindo de batismo para um popular reality show mundo afora, confesso que esperava um enredo bem mais marcante. Simplesmente não consigo esconder a minha decepção com essa leitura.