Rodrigo1001 13/04/2020
Agradável e envolvente (Sem Spoilers)
Heresia à parte, vou esquematizar esta resenha em pequenas confissões:
1ª confissão:
Me chamem de ingênuo, mas a autora britânica Rosamunde Pilcher nunca esteve em meu radar. Foi somente após uma extensa pesquisa sobre sagas familiares que seu 13º livro, best-seller e obra máxima, ?Os Catadores de Conchas?, surgiu como um potencial candidato a minha estante. E, claro, simplesmente não havia como ignorá-lo: o livro aparece em praticamente todas as listas (decentes) sobre o tema!
2ª confissão:
Talentosa romancista e contista, fiquei feliz em constatar que a autora tem especial apego a complexas relações familiares, sempre ambientadas nas mais belas paisagens da Grã-Bretanha, notadamente na Cornualha. Com livros publicados em mais de 30 países, me pareceu uma boa escolha em um momento em que me sentia disposto a mergulhar de cabeça em uma saga;
3ª confissão:
Eu não sabia muito bem o que esperar, mas quando comecei a ler, fiquei surpreso. A escrita de Pilcher não é só agradável, mas também equilibrada, elegante e uniforme, sem o hermetismo pedante e esnobe comum a alguns escritores britânicos;
4ª confissão:
Felizes ou não, trágicas, divertidas, politicamente incorretas ou apenas entediantes, as famílias são cada uma à sua maneira. Nesse livro, a família em questão pertence a Penélope Keeling, uma personagem que nos conta a sua história desde a adolescência até a velhice. Não se trata de um romance de formação, mas margeia o conceito: a obra avança e retrocede no tempo mostrando as relações da personagem com seus pais e, mais tarde, com seus filhos. Falando sobre arte e literatura, mostra-se rico em detalhes e pronto a convidar o leitor a reflexão;
5ª confissão:
Cada capítulo tem o nome de um personagem diferente e, embora não seja escrito na perspectiva de primeira pessoa, o leitor é apresentado a praticamente todos os personagens, em passagens recheadas de detalhes sobre cada um deles, tudo feito com o melhor do DNA da literatura inglesa: vasta presença de flores e plantas (campânulas, frésias, rosas, castanheiros, sebes e prímulas), grandes descrições de ambientes e do tempo (vestíbulos, jardins, dias ensolarados ou terrivelmente frios); tudo isso, em meio a xícaras de chá e todo aquele clima posh e classudo da Inglaterra;
6ª confissão:
A força deste livro, e a razão pela qual tantas pessoas o adoram, está no fato de discorrer sobre relacionamentos - família, amigos e conhecidos. Focando em intrincadas relações familiares e amorosas, é uma rica e gratificante discussão sobre a natureza humana, sobre o que está além dos nossos olhos. Foi particularmente interessante me pegar pensando sobre a história dos meus próprios pais, de como e quem eram antes de se conhecerem, do que enfrentaram até se encontrarem. Dos medos, das inseguranças tão comuns a todos nós e às quais nossos pais nos parecem aparentemente imunes, pois simplesmente não os conseguimos enxergar de outra forma senão como pais, embora tenham sido adolescentes como nós fomos, se apaixonaram como nós nos apaixonamos, se iludiram e tiveram as mais variadas experiências como nos próprios tivemos. É muito legal ver um livro suscitar este tipo de insight em um leitor;
7ª confissão:
Embora extremamente agradável, o livro evoca todo aquele espírito glacial inglês, com sentimentos abafados pelas convensões vitorianas de tempos passados. Para nós latinos, sentimenais por natureza, pode parecer frio e calculista por vezes, mas é só uma fotografia do que acontece lá fora;
8ª e última confissão:
Em resumo, o livro é uma saga familiar agradável e tranquila. Certamente não foi a melhor saga que já li, mas terminei a leitura satisfeito e com imensa saudade da personagem principal. Talvez mais indicado para o público feminino, fará sucesso nas mãos de qualquer leitor que consiga transportar para a sua própria vida a mensagem que a autora quis passar: somos o resultado das pessoas que amamos, mini-universos chocando-se uns aos outros, fadados a desaparecerem depois de um curto sopro, o qual chamamos de vida.
Leva 4 de 5 estrelas.