@tenbooks10 03/05/2020
Leia livros japoneses!
As duas obras de Tanizaki foram lançadas em conjunto, ano passado, pela Estação Liberdade.
A Ponte Flutuante dos Sonhos foi publicada em 1959, e tem seu título emprestado de um capítulo do famoso livro O Conto de Genji ? pertencente à literatura clássica japonesa e escrito no século XI. Nessa obra, o narrador Tadasu compartilha a história de sua vida e as memórias que possui das duas mães ? a de sangue, que morre quando ainda era novo, e a segunda com quem seu pai se casa alguns anos depois. O mais interessante dessa obra é ver o contraste entre os temas trazidos, que eu achei bem pesados e perturbadores, e a escrita leve do autor.
Escrito em primeira pessoa, a obra nos revela o estado mental confuso de Tadasu, que já não consegui distinguir as memórias que pertencem a cada mãe. Ao mesmo tempo, o personagem começa a ter uma relação ambígua com a segunda mãe, revezada entre o amor filial e o desejo. O erotismo é trazido de forma bem sutil à obra, mas foi suficiente para me deixar um tanto perturbada com o sentimento de Tadasu.
A segunda obra, Retrato de Shunkin, é de 1933 e foi a minha favorita dessa compilação! Nela é narrada a vida de Koto Mozuya, conhecida pelo seu nome artístico Shunkin, e a sua relação amorosa com o seu discípulo, Sasuke.
Cega desde a infância, Shunkin dedica a sua vida à música, aprendendo a tocar com maestria os instrumentos koto e shamisen.
Ainda quando criança, Sasuke é contratado pela família de Shunkin para servir-lhe como guia e, a partir daí, começa a desenvolver o seu amor pela musicista. O amor de Sasuke me fez lembrar muito da relação dos poetas com suas musas ? seres inatingíveis e perfeitos aos seus olhos.
O maior questionamento do livro, na minha experiência, foi a relação desenvolvida pelos dois personagens principais. Embora o amor de Sasuke aparentasse ser puro, a sua relação com Shunkin era basicamente sadomasoquista.
Shunkin era extremamente dominadora e até perversa. Tratava as pessoas próximas com dureza e nunca admitiu o relacionamento com Sasuke por conta da sua inferioridade social, tratando-o a vida inteira como um servo ? o que, por sua vez, era aceito e apreciado por ele.
Mas aí que surge a problemática da obra. Embora um tanto repulsiva, a ligação entre os dois personagens parece ir além daquilo enxergado por terceiros, sendo tão profunda que me despertou diversos sentimentos conflitantes ? admiração, asco, calma, raiva, bem-estar e tristeza.
Além disso, é interessante que a imagem que temos de Shunkin é feita quase que cem por cento por Sasuke, numa biografia pós morte. Então, o narrador sempre questiona a suposta perfeição da mulher que fora descrita por seu amante.
Eu vou me contentar com esse meu pequeno resumo de Retrato de Shunkin, por medo de continuar e acabar dando algum ?spoiler? tal é minha vontade de comentar a história detalhadamente. Mas é uma verdadeira obra-prima.
Em suas duas obras, Tanizaki adota uma escrita leve/delicada, escolha interessante frente aos temas abordados. E, genialmente, o autor narra apenas o essencial, deixando em aberto diversos pontos para ? imagino eu ? o leitor analisá-los e chegar a suas próprias conclusões.