Fernanda631 29/10/2022
A Relíquia
A Relíquia”, de Eça de Queirós, chegou ao leitor brasileiro em 1887 como folhetim publicado pelo periódico Gazeta de Notícias, que circulava no Rio de Janeiro no período de 1875 a 1942.
Aqui vemos um autor mordaz, sarcástico e bem-humorado, em uma obra que pode não agradar a todos, devido a conjecturas. A Relíquia é um dos maiores clássicos da literatura portuguesa. Eça de Queiroz não economizou no humor sarcástico e na ironia para retratar a sociedade da sua época. O livro conta a saga de Raposo para conquistar a tia e sua fortuna.
A história carrega todas as características do Realismo de um Eça de Queirós severo e sarcástico. Satiriza a Igreja e revela a hipocrisia que acontece nas relações pessoais e espirituais de sua época.
Trata-se de uma obra que associa à narrativa de viagem um olhar bem-humorado sobre a condição de adaptação humana, em seus interesses de posse e em suas ilusões sociais e afetivas, por meio de negociações íntimas, por vezes conflitivas, entre o sacrifício e a recompensa. Do mesmo modo, o autor desenvolve as reflexões do protagonista em um constante diálogo entre a verdade e a fantasia, como anuncia em uma famosa epígrafe editada junto ao título: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”.
Trata-se de uma obra profundamente sarcástica protagonizada por Teodorico Raposo, um sujeito que decide escrever um relato memorialista para contar as experiências que viveu.
O romance é narrado em primeira pessoa. Teodorico Raposo, o “Raposão”, assume a empreitada da escrita com o seguinte propósito, segundo afirma no prólogo: “decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro […], as memórias da minha vida” […] “Esta jornada à terra do Egito e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um “monumento airoso e maciço”.
A Lisboa da época recebia profundas influências francesas, e a síndrome de país periférico, que passava ao lado das grandes nações, figura no romance de Eça como um retrato do século XIX. A obra foi escrita em 1887, trazendo a crítica do autor à sociedade portuguesa. É rica em detalhes, os quais promovem o estilo realista, por descrever paisagens, personagens.
O protagonista da obra é Teodoro Raposo, um menino que nasceu na Sexta Feira da Paixão e que perdeu sua mãe no dia seguinte. Sete anos depois, seu pai veio a falecer, deixando-o órfão. No entanto, acaba sendo adotado por uma tia por parte de mãe, Dona Maria do Patrocínio, também chamada de Dona Patrocínio das Neves, e, com mais frequência, de Titi, uma mulher extremamente religiosa e muito rica, sempre envolvida com os ritos religiosos. Uma caricatura das devotas católicas da época. Descrita pelo seu sobrinho como uma mulher hedionda, extremamente mesquinha, que condenava todas as formas de amor.
A trama se desenvolve a partir de duas personalidades opostas: a poderosa Dona Maria do Patrocínio, caricatura de uma beata, e, por outro lado, seu sobrinho Teodorico Raposo, conhecido como Raposão.
Eça utiliza a figura de personagem narrador da história, Teodorico Raposo, e em especial seus pensamentos e ações para compreendermos sua índole íntima, que mostram a máscara social usada pela sociedade da época, através dos comportamentos.
A Relíquia” possui fortes características da escola literária à qual pertence, como críticas e tom sarcástico em relação à sociedade da época, permeada por valores católicos.
Eça de Queirós busca associar o atraso de Portugal à religião. Seu ceticismo em relação à religiosidade, através do protagonista Teodorico Raposo, que se finge de religioso, era o retrato dessa decadência. Era assim que Eça enxergava a religião em si mesma.
Teodorico é, na realidade, um personagem voluptuoso, que sonha em viajar para Paris, cidade que simboliza a vida de riquezas, belezas e luxúria que ele almeja, além de representar a revolução, tão odiada pelos conservadores católicos portugueses.
O romance ”A Relíquia” é um bom exemplo de que o emprego adequado da ironia torna uma temática séria algo divertido, até mesmo humorístico. Ao contrário das demais obras de Eça de Queirós, essa obra prima pelo espírito de graça e humor. Eça de Queirós mostra, através da hipocrisia de Teodorico, bem como através da própria hipocrisia de Dona Patrocínio das Neves e de outros personagens, representantes do clero católico, que o discurso irônico tem a função não só de sátira e galhofa, mas de lançar uma crítica mais profunda a determinados costumes, valores e práticas da sociedade portuguesas do século XIX. Portanto, a leitura dessa obra requer uma atenção da narração irônica que abrange a religiosidade medíocre e fanática. A teologia cristã dará passagem à teologia do riso.
É um humor como uma forma de reflexão. Raposão imprime um tom sério, quase científico às suas reflexões, e, ao fazê-lo, acaba sendo cômico, burlesco. Suas representações são excessivas e o leitor só será enganado se quiser
A Relíquia é considerada uma obra do Realismo crítico e pertence à segunda fase da produção de Eça de Queirós. Nessa fase também estão situadas as obras clássicas O crime do Padre Amaro e o Primo Basílio.
Apesar de ser um livro um pouco maçante, rico em detalhes, bastante descritivo, o final é surpreendente e vale toda a leitura cansativa da obra.