Os Jacobinos Negros

Os Jacobinos Negros C. L. R. James




Resenhas - Os Jacobinos Negros


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mpettrus 26/12/2022

O Pan-africanismo da Revolução Haitiana
??Os Jacobinos Negros? foi uma obra publicada na Inglaterra em 1938 pelo historiador de tradição marxista e trinitino Cyril Lionel Robert James. A obra faz uma análise da Revolução de São Domingos, transcorrida entre 1791 e 1804 e protagonizada por escravos negros da, então, colônia francesa. O processo revolucionário abordado pela obra resultou na abolição da Escravidão em São Domingos em 1793 e engendrou a independência política da colônia e, por conseguinte, a formação do Haiti em 1804.

James pretendia não apenas oferecer uma análise historiográfica da revolução, como também apresentar esse processo histórico como ponto de referência para refletir sobre o movimento pan-africanista de sua época e acerca do prospecto das independências das colônias europeias na África. Essa obra viria a se tornar um dos estudos seminais sobre a resistência escrava durante a modernidade e, simultaneamente, um dos estudos políticos mais importantes do pan-africanismo da primeira metade do século XX.


?É uma narrativa histórica vívida e cheia de nuances da Revolução de São Domingos, popularmente conhecida como ?a única revolta de escravos bem-sucedida na história?, e de seu ?líder corajoso?, Toussaint L?Ouverture, desde da eclosão da Revolução Francesa em 1789 até a declaração da independência do Haiti em 1804. O livro foi um projeto de longo prazo de James, abrangendo mais de trinta anos de pesquisas entre livros e artigos, para relatar a Revolução Haitiana, uma das mais significativas revoltas dos escravizados.

É muito importante entender qual o contexto da Revolução Francesa na Revolução Haitiana, porque foi a partir dela que se desencadeou todos os conflitos nas colônias francesas. O Rei francês se encontrou mergulhado num caótico conflito político nas suas colônias e tentou organizar uma contrarrevolução com apoio internacional para restabelecer a velha ordem. Porém, a França estava a caminho de se tornar uma República e as colônias já sabiam disso. Logo, elas estavam lutando pela sua independência.

Vesúvio estava prestes a entrar em erupção. A crise da revolução e as cisões entre os governantes da colônia abriram espaço para a revolução escravista. Em todas as colônias francesas no Caribe, os escravos se revoltaram. Sem essa insurreição em massa, não há dúvida de que a França nunca teria abolido a escravidão. James escreveu que os escravizados se sentiram negligenciados e ignorados por todos os políticos, e então eles se organizaram por conta própria para lutar pela sua liberdade.

O autor nos traz à baila personagens que foram muito importantes na Revolução Haitiana como, por exemplo, o comandante escravo Boukman, que liderou uma reunião em Bois Caiman e organizou uma insurreição naquele lugar no final de junho de 1791. Ele e seus seguidores construíram uma vasta conspiração em dezenas de plantações na Planície do Norte, não informando os fazendeiros e comerciantes do levante da insurreição; eles foram pegos completamente de surpresa - uma prova da solidariedade esmagadora entre os escravizados. Os escravizados se levantaram às dezenas de milhares, massacraram seus senhores, queimaram as plantações e aterrorizaram a população branca sobrevivente, vingando-se de seus algozes. Esse capítulo me marcou muito pelos detalhes na narrativa desse episódio. Uma riqueza de informações que me deixaram boquiaberto.

Outro ponto a ser mencionado é a figura central desse livro: Toussaint L?Ouverture. Ele representa uma figura heroica como um líder sábio e atencioso, embora, imperfeito. O que para mim o torna ainda mais interessante. Ele não sobreviveu para ver o fim da Revolução Haitiana, pois foi capturado pelos franceses acusado de traição e deportado para França, onde morreu preso sob a ordem de Napoleão Bonaparte em ?Fort de Jeux?.

O autor se propõe a nos explicar os pontos fortes e fracos desse revolucionário, as decisões mais acertadas durante sua atuação na luta pela liberdade dos escravizados, e também nos conta dos seus fracassos. Para mim, ficou claro que Toussaint consistentemente tentou negociar com a França para evitar a guerra, mas foi frustrado pela total perfídia das forças armadas britânicas e também espanholas.

Toussaint L?Ouverture foi a alma dessa revolução expressando sua lealdade inabalável ao espírito igualitário de liberdade, sua compreensão da retórica dos princípios do Iluminismo superou a dos maiores eruditos do seu tempo. Como ex-escravizado, um indivíduo negro vivendo em uma sociedade escravista e um general militar na linha de frente de uma guerra feroz, Toussaint entendeu os riscos da liberdade de uma forma muito mais autêntica e muito mais pessoal do que qualquer outro.

Mesmo com a morte do seu líder mais significativo, a Revolução Haitiana continuou lutando sob as lideranças dos generais Jean-Jacques Dessalines, Henri Christophe e tantos outros, vencendo o exército francês, que ao final de 1803 desistiu de continuar lutando.

Considero a leitura desse livro um marco na minha vida. É de uma proeza narrativa lindamente feita pelo autor. Nenhuma outra história de não-ficção chega perto da prosa de James. A sua narrativa teve efeitos explosivos nos meus pensamentos por tanto de informações que ele me trouxe, apresentando uma história em que eventos políticos, no Caribe e na Europa, mostravam-se profundamente imbricados por meio de uma rede de comunicações marítimas, trocas de correspondências, circulação de pessoas, releituras e apropriações criativas de ideias políticas.

James dá vida a Revolução Haitiana. Através dele conhecemos seu herói, Toussaint, e toda a trágica história fascinante dessa revolução, que remodelou o Velho Mundo, sobretudo, no aspecto político. O autor nos forneceu uma análise sofisticada de raça, classe e conveniência política, a ideia da branquitude como privilégio e detentor de propriedades, uma verdadeira aula de antropologia de como as organizações e limites raciais foram concebidos e depois cimentados no lugar.

? A história interativa entre as revoluções francesa e haitiana e de todos os seus desdobramentos, nos diz que James entregou uma obra que é tanto um livro quanto um acontecimento da própria história. A Revolução Haitiana foi prolongada, turbulenta, multiétnica, multinacional que durou treze anos custando um número incontável de vidas. É um texto notável porque o autor combina a disciplina de um historiador com a paixão de um revolucionário e o talento de contar histórias de um exímio jornalista.

? Esse livro não é apenas uma história sobre uma revolução de escravizados, mas é também um manifesto filosófico sobre as próprias revoluções, seus potenciais e seus perigos nesse ato pan-africanista da Revolução Haitiana. Por isso o considero um dos livros mais importantes do século XX para entendermos a diáspora africana.

James recuperou essa história revolucionária para nos ajudar a entender as nossas lutas atuais e, principalmente, porque esse livro é ativista. Porque ao narrar a história da Revolução de São Domingos, ao mesmo tempo como tragédia e como lição para o pan-africanismo, o autor questiona o que deu errado e o que podemos aprender, sem deixar de notar que a lição mais marcante desse triste episódio sangrento é que a luta de classes, a defesa do direito das nações à autodeterminação e a solidariedade internacional da classe trabalhadora para a revolução social são as únicas soluções para o fim do imperialismo mundial.
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M Del Rey 06/09/2020

Independência ou morte
Não existe possibilidade de dar menos de 5 estrelas pra um livro que retrata a luta de uma nação não apenas contra às amarras do imperialismo, do capitalismos feroz e da escravidão, mas sim de um desejo empírico de liberdade.
Toussaint foi parte importante, uma gigantesca parte, na formação de sujeitos políticos dentro de uma colônia fadada à dominação francesa. Seu poder de conduzir e influenciar massas foi o que tornou possível a independência do Haiti.
Como todo ditador, cometeu excessos e muitos erros, talvez o principal deles foi a política de conciliação. Não existe conciliação com quem quer ver seu povo morto, subjugado.
Talvez por acreditar no ideário francês de liberdade, igualdade e fraternidade se deixou levar, ingenuamente, acreditando que a França os via como cidadãos e não como produtos e fontes de lucro. Não se permite a um líder ser ingênuo.
Ainda assim não podemos e nem devemos exauri-lo do seu papel na história do Haiti. Livro mais do que necessário para aqueles que desejam compreender os movimentos de revolta nas Américas e o papel do imperialismo do norte do globo no sul global.
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Rhuan Maciel 24/11/2022

A história do Haiti é, como qualquer outra história da América no século XVIII, sangrenta e marcada pela dominação colonial. No primeiro capítulo deste livro, C. L. R. James descreve os horrores das práticas imperialistas na colônia francesa como similares e precursoras das violências nazistas. O negro é tratado de uma forma completamente desumana e cruel.
Dessa forma, o autor, baseando-se nas teorias marxianas, classifica a dominação francesa como transcendente em relação a raça, ou seja, a raça é sim um fator relevante para a dominação, entretanto ela não é a mais geral explicação, assim James determina que ali existe uma luta de classes. E, para demonstrar isso, é evidente a participação dos negros livres para a perpetuação da submissão negra. Eles não enxergavam-se como negros, já que possuíam uma certa ascendência branca e a liberdade. Por isso acabavam reproduzindo a dominação dos brancos presentes na colônia. Poderia-se questionar a questão de serem “mulatos” para tentar contrapor que não era uma luta de classes e sim de raças. No entanto, hoje, é difícil defender isso entendendo que esses homens apesar de possuírem antepassados brancos continuam sendo negros e sofrendo com o racismo da mesma forma. Para o branco da antiga São Domingos, existia o desprezo tanto do negro escravo como do negro “mulato”. Por isso houve uma resistência tão grande quando esses últimos quiseram sua liberdade política e apenas a conseguíram quando a insurgência escrava estava a luz do dia. Em vista disso, o autor acerta ao classificar essa luta revolucionária como uma luta de classes, e não apenas uma luta de raças.
No que tange aos personagens históricos, James nutre uma grande admiração ao general negro Toussaint L’ouverture, e isso não é de se espantar, uma vez que a atuação desse homem marcará para sempre a história da humanidade como a primeira revolta de escravos que obteve êxito. Infelizmente ele não sobreviveu para ver o país independente, entretanto, com seus erros e acertos, foi a figura de maior destaque na revolução, liderando o povo por vários anos. Talvez os maiores aprendizados para quem defende uma revolução brasileira sejam o tratamento com as massas e a impossibilidade de ser moderado. O líder negro errou ao não tornar seu povo consciente de seus planos e da perspectiva que deveríam tomar caso a França os atacassem. Isso é evidente quando os franceses chegam para tomar o poder de volta e a população não sabe o que fazer. Ainda mais evidente é a atuação de Cristophe, o qual era um general, e, mesmo assim estava em profunda dúvida quando a França desembarca. Apesar da história não trabalhar com “se”, fica uma dúvida muito grande de que, caso Toussaint tivesse preparado seu exército e população de defender a revolução até mesmo dos franceses, podería ter poupado muitas vidas, muita destruição e sua própria vida. Pois sabe-se que, embora muito diplomático, esse homem não era ingênuo e estava disposto a guerrear contra qualquer que seja o inimigo para garantir a liberdade dos haitianos. Mas as massas não sabiam disso quando era sobre a França.
Quanto ao outro ponto, da impossibilidade de ser moderado, é nítido para um latino que possua conhecimento da sua história. Não é por acaso que tenha acontecido o que aconteceu com Jango e com Salvador Allende. Para usar de exemplo, o presidente brasileiro não expulsou os agentes da CIA que chegavam ao Brasil durante o seu governo. E era sabido a intenção golpista tanto dos EUA como dos militares brasileiros. Como consequência disso e de vários outros fatores moderados em sua política, Jango acabou fortalecendo sua própria derrota. E mesmo após, quando Brizola oferece resistência, João Goulart não toma a decisão política necessária. Isso evidencia muito que, na luta de classes, não há espaço para o meio-termo, deve-se fazer o necessário para garantir as melhores condições possíveis para a classe oprimida. E o necessário, no caso do Haiti, era romper com a França. Mas como C. L. R James disse, Dessalines só estava disposto a fazer o que fez porque não enxergava longe, logo o que estava embaixo de seus olhos era fácil de ver, enquanto que para o diplomático Toussaint, que há anos fazia esse papel intermediador com a França, era nublada essa questão da independência. Contudo Toussaint só fez tudo que fez porque era como era. Por isso é importante um criterioso balanço crítico.
Enfim, o sucesso da Revolução Haitiana é algo para sempre ser lembrado. Uma revolução de escravos que conseguiu romper com o colonialismo francês e levar os nomes dos jacobinos negros ao mundo. Suas consequências foram importantíssimas para o resto do mundo, consagrando-se como mais uma parte da história de revolta do terceiro mundo.
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Lu F. 24/08/2023

É um livro muito bom sobre a Revolução Haitiana, tão pouco conhecida.

Apesar de ser bastante denso, com muitos nomes, locais e descrições, o livro faz o seu trabalho de nos introduzir no Haiti revolucionário.
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