Toni 19/02/2020
Crocodilo [2019]
Javier A. Contreras (BA, 1973-)
Cia. das Letras, 2019, 182p. 📖
Seria lindo acabar o ano com uma leitura leve, mas... como Marido já fez questão de apontar certo dia enquanto escolhia algo pra ler de minha estante: "Avemaria, aqui só tem desgraça". Há muita verdade no exagero, por mais que, no caso de Crocodilo, tenha sido livro recebido via parceria e, portanto, fora de meu controle aquisitivo. De uma maneira ou de outra, não é de surpreender que haja tanto livro triste na estante de um melancólico, o que surpreende é o melancólico quase não ter conseguido terminar este romance do Javier Contreras. 📖
O livro é pesado, pesadíssimo, com uma voz narrativa bem construída (complexa e, às vezes, indesculpável) de um pai que perde seu filho de 28 anos para o suicídio. Pra falar a verdade, por um momento o livro quase me perdeu, achei que cairia no moralismo fácil que tenta justificar o ato como resultante de um processo depressivo ou traumático. Mas como adverte o autor com a epígrafe escolhida para o romance (citando Camus)—“só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”—não há soluções fáceis para o tema, e o livro, ciente disso, acaba por não ser a história de um suicida, mas o processo de angustiada sobrevivência de quem fica, o narrador Ruy e a mãe do Pedro, Marta. 📖
Nesse sentido, o feito de Contreras é louvável: ressentido, raivoso, delicado, transformador. Minha única crítica ficará por conta de um capítulo bem no meio do livro em que o pai, desesperado por compreensão, lista vários suicidas célebres da história seguidos dos números alarmantes de casos nos dias de hoje: o trecho peca pela obviedade, não parece contribuir muito para o desenvolvimento da personagem ou da narrativa, e ativa gatilhos. Nada disso, no entanto, é capaz de tirar a força deste livro que fala de um tabu social que precisa ser discutido sem estigmas. Ainda que não recomende ao mundo todo, guardarei a ousadia deste Crocodilo entre as leituras que, para o bem e para o mal, mais me marcaram este ano. Considerando 2019, a imagem do animal-título ao final do romance carrega, silenciosamente, uma nota de esperança.