Polly 30/04/2021
Capitães da Areia: Brasil esquecido (#164)
Capitães da Areia é um livro muito querido no universo do bookstagram e do booktube, pelo menos sempre foi essa a minha impressão. O sentimento é que, pelas resenhas que li e assisti até hoje, Capitães da Areia é aquele raro tipo de livro que consegue agradar a todos os tipos de leitores, ou pelo menos, a sua grande maioria. Eu tinha uma alta expectativa antes de sua leitura e, depois de lê-lo, acho que a cultivei em baixos níveis (risos). Jorge Amado nunca é pequeno, inevitavelmente. É, de longe, um dos melhores escritores que essas terras tupiniquins já produziram.
O livro nos conta a história de Pedro Bala e seu grupo de meninos órfãos pelas ruas de Salvador dos anos 30/40. Os meninos vivem de pequenos golpes e furtos, dormindo sob um trapiche abandonado, escondidos e fugindo do mundo. Afinal, é isso o que resta quando não se tem nada nem ninguém a seu favor, não é? Capitães da Areia é um livro sobre sobrevivência. Sobre resistir a tudo e a todos quando o mundo só quer te ver morto.
Confesso que não foi de cara o meu encantamento com a história dos capitães. Acho que os medi com a mesma régua com que eles são medidos pelos seus algozes na história. A gente aprende a olhar para os excluídos de forma a desumaniza-los, sem nunca nos questionarmos sobre o porquê de fazermos isso, sem nunca pararmos para perceber que estamos muito mais perto do que eles são do que do outro lado. E é por isso que a literatura nos salva. Jorge Amado consegue humanizar cada um dos garotos, não importa o quão violenta seja sua trajetória. Eu me vi e vi aos meus nas figuras de Pedro Bala, Sem Pernas, Gato, Dora, Professor e todos os outros. Eles são o que nós somos, só que com uma existência ainda mais dura que a nossa.
Ainda vou ter que cair na cilada de mais uma vez dizer que Amado (coisa linda esse sobrenome, né?) escreve o Brasil. O Brasil de ontem e de hoje, e tomara que não seja o do futuro. Ele escreve o Brasil que o Brasil odeia, escondido nos cantos das esquinas, nos interiores das favelas, nas celas de presídios, dentro de casas tão pobres que nem mereciam ser chamadas assim. O Brasil dos excluídos, dos esquecidos, dos marginalizados. E, por falar no sistema carcerário, é angustiante e revoltante a passagem de Pedro Bala pelo reformatório. Os episódios de tortura cometido contra o garoto são enojantes e fazem a gente se perguntar se esse sistema de punição com tamanha desumanidade, defendido por tantos, realmente “restaura” pessoas para a sociedade pacífica que almejamos(?).
Outra coisa que doeu de ler foi o episódio da varíola. Em certo momento da história acontece um surto da doença na cidade, e um dos meninos acaba doente. Acompanhamos todo o drama, o medo dos outros de também pegarem, a indecisão se ele fica ou vai. A política pública, na época, consistia em levar as pessoas doentes para uma espécie de sanatório, para simples e puro despejo. Um lugar para que elas morram sem contaminar mais ninguém e só. Amado diz ainda que a varíola só acomete pobres, já que a vacina chegou “lá em cima”. A cura é só para quem tem como pagar. É triste e infelizmente muito parecido com a realidade aterradora que a gente vive agora.
Enfim, Capitães da Areia é uma obra prima. Nos fala de um Brasil marginal que não pode ser esquecido. Um Brasil que clama por justiça social, enquanto o “resto” lhe ignora. E, me perdoem, vou ter que cair no clichê de dizer que todos deveriam ler esse livro, porque essa é, pura e simplesmente, a verdade. Leiam Capitães da Areia, leiam Amado para aprender a amar o Brasil tal qual ele é.