Lucas 24/04/2016
Representação da essência primitiva do ser humano
Um clássico da literatura nacional, lançado há mais de 120 anos, que ainda impressiona e gera diversos estudos a respeito. O autor maranhense Aluísio Azevedo trouxe algo novo no país à época, o naturalismo como ramo literário, influenciado grandemente pelas teorias evolucionistas, formuladas especialmente pelo biólogo britânico Charles Darwin. No fim do século XIX, o mundo vivia a Segunda Revolução Industrial, período na qual houve a consolidação de ciências como as engenharias, a biologia, a química, entre outras. Além disso, o aspecto empírico adquiriu grande importância nestas ciências: para uma teoria ser válida, era preciso que tal hipótese fosse efetivamente testada; a teoria não tinha sentido algum sem a comprovação prática.
Tal mudança (ou evolução, a palavra da moda àqueles tempos) de paradigmas também influenciou a literatura da época. Baseado nos ideais darwinistas, nas quais pressupunham basicamente que a formação do ser vivo é determinada fortemente pelo ambiente em que ele se desenvolve, surge o naturalismo, primeiro na França com Émile Zola, posteriormente no Brasil, cujo maior expoente em terras tupiniquins foi O Cortiço.
Diante destas breves definições, o leitor da obra-prima de Aluísio Azevedo percebe em termos literais, que de fato, o ser humano é fortemente influenciado pelo seu meio. E essa certeza adquirida após a leitura é construída pela história que é desenvolvida; uma infinidade de pessoas, colocadas em um mesmo contexto social, propício para que estes tipos desenvolvam seus instintos mais primitivos, nas quais se destacam o senso de sobrevivência e de bem-estar, este último impulsionado basicamente pelo poder do dinheiro. É como se o cortiço da história fosse um laboratório, onde a inserção de cobaias (personagens) e suas inter-relações fossem documentadas empiricamente, dando origem a uma obra fundamental da literatura brasileira.
Pouquíssimos livros tem tamanha carga crítica, alimentada pela profunda representação dos malefícios sociais destes instintos primitivos. O Cortiço não possui personagem principal, nem vilões e mocinhos; todos os que participam da história são ambíguos. Aspectos (ou pecados) como cobiça, inveja, avareza, adultério, furto e materialismo excessivo são muito presentes, tornando o livro, de certa maneira, uma representação do que o ser humano é capaz de fazer para sobreviver e ter êxito em sua sobrevivência. A obra de Azevedo ensina firmemente que por mais bem intencionado que um ser é, ele pode ser corrompido, tamanha a influência do meio em sua existência.
Apesar de não ter um protagonista (ao menos de carne e osso, já que a difundida ideia, de que o próprio cortiço de São Romão assume este papel principal, é válida), fica claro que o cerne da narrativa passa por João Romão, descendente de portugueses, que adquire uma venda (mercearia), e, sempre à custa de muita economia e avareza, adquire um terreno aos fundos de sua instalação e constrói um cortiço, construção rústica composta de diversos apartamentos, muito comum na população mais pobre do Rio de Janeiro da época. Além de Romão, é injusto não mencionar Bertoleza, que possui relação de escrava e amiga com o dono do cortiço e cuja personalidade é influenciada pela sua origem; além disso, sua participação é decisiva ao desfecho da história, um dos pontos altos do livro.
Por fim, a leitura de O Cortiço é recomendada para que sejam compreendidos os aspectos que classificam o lado animalesco do ser humano, caracterizados pela sua busca desenfreada por uma sobrevivência satisfatória. Uma prévia compreensão mínima do naturalismo e de teorias evolucionistas torna a leitura mais agradável e clara. A obra não faz o leitor emocionar-se ou apegar-se a algum personagem específico, mas é fascinante compreender (nas diversas metáforas que são feitas na história) o que o homem é capaz de fazer para se dar bem.