Solange Sólon Borges 25/04/2022
Violência escancarada, mulheres humanizadas
Mulheres Empilhadas, de Patrícia Melo (Leya), traz à tona diversas questões ainda não superadas neste país: o desrespeito aos povos da floresta e suas tradições, o estabelecimento de leis próprias no Acre, o que abre o caminho para a impunidade, o fato de famílias poderosas e ricas poderem ditar as regras, temas que já valeriam a sua leitura.
O ponto focal do enredo está na reconstrução do universo feminino, o que inclui a ditadura de padrões de beleza, a força natural da mulher, bem como a culpa atribuída a ela quando agredida, verbal ou fisicamente, estuprada, ou vítima de feminicídio: “olha o que ela disse, o que está vestindo, tá pedindo, como se comporta...” como se essas opiniões e desculpas machistas pudessem justificar o injustificável.
O tema mais do que atual é tratado em confronto com a realidade estabelecida, inicialmente nas delegacias, com investigações frágeis, e os ritos adotados em tribunais que não culpabilizam praticamente ninguém, menos ainda os algozes, e muitas vezes terceirizam a culpa dos fatos violentos à mulher, que é vítima, numa clara tentativa de inversão de papéis. A maior parte dos crimes de feminicídio segue sem solução. Debate mais do que necessário e atual que figura nas manchetes de jornais e salta para o livro de Patrícia Melo.
Em termos de estrutura literária, são vários os temas colocados na trilha e, em alguns momentos, fico-me a impressão de não estarem totalmente amarrados. Outro ponto de reflexão é o uso de palavras de baixo calão, talvez com o propósito de trazer ao texto essa violência verbal com a qual os homens se dirigem às mulheres, uma forma de demonstrar o que as mulheres ouvem e o quanto as desagrada, desumanizando-as. Por esse aspecto, justifica-se o seu uso.
A obra por si só tem o seu espaço na literatura a fim de escancarar um tema que necessita ser debatido arduamente pela sociedade: a violência contra as mulheres e a impunidade que não pode continuar na estrutura machista de nossa sociedade.